Terça-feira, 10 de Dezembro de 2024
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A CARITAS e o seu mundo

1 – Todos conhecemos a CARITAS como uma organização católica que procura prestar ajuda de modo organizado e que aparece sempre que há catástrofes naturais e situações aflitivas. Não é a única organização católica do sector. Existem também as Conferências Vicentinas, as Misericórdias com valências diversas, os Centros Sociais Paroquiais, as Associações de Jovens e Associações de Adultos, o Banco contra a fome, algumas ONG (organizações não governamentais). Cada uma dessas organizações tem uma finalidade assistencial específica. A Caritas tem um cariz oficial e estruturante e, em alguns países, designa toda a assistência diocesana.

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Anualmente a Igreja realiza uma colecta diocesana para a CARITAS a fim de ela poder ir respondendo a situações de maior carência. O passado Domingo, terceiro da Quaresma, neste ano sete de Março, foi o dia oficial da Caritas. A campanha deste ano teve como lema Erradicar a pobreza, radicar a justiça, expressão que indica claramente a função educativa da Caritas.

2 – Na verdade, dizem as estatísticas europeias que, de cada seis cidadãos do continente, um deles está no limiar da pobreza. Ora um continente rico cujas estruturas geram sistematicamente pobres é um sistema doente. Cresce o número de desempregados e crescem as desigualdades sociais, havendo cidadãos em estruturas oficiais que auferem num mês aquilo que outros cidadãos nas mesmas estruturas não auferirão em dezenas de anos de trabalho, o que, mesmo aceitando que as competências devam ser devidamente recompensadas, não é correcto. Tentar justificar isso como meio de impedir a fuga para o estrangeiro só indica que o mal é institucional e generalizado. Há também segmentos da população que geram segmentos igualmente dependentes que, por si, jamais poderão sair da situação de pobreza.

É esta situação que é preciso alterar e que está na base do slogan deste ano: «erradicar a pobreza, radicar a justiça», cuidar das vítimas dos desastres naturais e simultaneamente instaurar estruturas e mecanismos de justiça social. As ideologias ditas do «progresso», mormente o marxismo, acusaram a Igreja de, com a acção assistencial, tornar-se responsável pela manutenção dos sistemas injustos porque refreia o potencial espírito revolucionário dessas pessoas, e devia substituir essa caridade pela animação contra os opressores. Essa era a acusação que faziam à Madre Teresa de Calcutá. O Papa lembra que tais ideologias, para alcançar um objectivo político distante, sacrificam o presente, e contrapõe a tais ideologias de luta o exemplo do Samaritano que ajuda realmente quem precisa, agora e já, qualquer que seja a estrutura política.

3 – Porque nesta área social reina alguma confusão, trago para aqui algumas reflexões extraídas da encíclica de Bento XVI «Deus caritas est» (Deus é Amor), publicada no ano de 2005.

Em primeiro lugar, a ideia de que a caridade é um falso remedeio da falta de justiça e que, se reinasse a justiça, dispensar-se-ia a caridade. Por isso, as pessoas querem justiça e não caridade, dizem. Este é o primeiro mito. Há uma caridade inicial que tem de existir antes da instauração dos mecanismos da justiça, isto é, sem o sentimento de estima pelos outros ( e essa é a primeira expressão de caridade) ninguém é capaz de praticar a justiça, encontrando sempre motivos para sonegar os direitos dos outros. Em segundo lugar, mesmo praticando a justiça, há necessidade da caridade por haver pessoas que, por fragilidade temperamental ou por fatalidade, continuam a precisar de ajuda que, rigorosamente, não pode ser exigida em nome da justiça: mendigos e doentes culpados da sua decadência, presos culpados pela sua má conduta, preguiçosos que vieram a cair na pobreza. Todos eles precisam de quem tenha caridade e não de justiça rigorosa. Não haverá nunca sistema político tão perfeito que venha a dispensar a necessidade da caridade. A grande heresia do mundo, dizia o poeta Eliot, é tentar dispensar essa fonte: «Os homens buscam sempre evadir-se da escuridão exterior e interior que os rodeia sonhando sistemas tão perfeitos que deixe de haver necessidade de se ser bom»

4- Também se diz, às vezes, que o lugar da caridade é na distribuição dos produtos e não na sua produção, bastando nesta os mecanismos de eficácia. É outro mito, desmentido pelo Papa na encíclica «A Verdade na Caridade»: a caridade tem de aparecer logo no período da produção. O modo como o trabalhado é organizado, a lealdade e o respeito no processo de produção, animam o trabalhador, fazem-no feliz.

Deste modo, a caridade vem antes da produção, vem depois dela e vem durante o trabalho. São inseparáveis os três aspectos da actividade da Igreja: a proclamação da pessoa e da mensagem do Salvador (pregação, catequese), a celebração do culto em ordem à renovação interior da pessoa e sua intimidade com Deus (liturgia e oração) e o testemunho do amor ao próximo (caridade). Esta última actividade é, diante do mundo, o rosto mais interessante da fé cristã, o que a torna admirada pelo mundo, mas é inseparável das outras duas.

5 – O exercício da actividade sócio caritativa na Caritas, Centros sociais, Misericórdias e Conferências de S. Vicente de Paulo, requer um conjunto de predicados que o Papa concretiza deste modo:

a) Um grande sentido de profissionalismo, de competência profissional, colocando meios e pessoas capazes de prestar os serviços aos doentes e carecidos. Também para ajudar bem é preciso saber fazê-lo.

b) A essa competência é preciso acrescentar a formação do coração, que leve esses profissionais àquele encontro com Deus, de tal modo que a dedicação ao próximo nasça da sua fé e não de uma imposição exterior». É essa alma específica da fé cristã que leveda as estruturas.

c) A actividade caritativa cristã tem de ultrapassar partidos e ideologias. Não está ao serviço de estratégias mundanas nem de apoio a sonhos políticos. Nos Estados modernos, o Estado vem a chamar a si uma extensa acção social, frequentemente direccionada e politizada, e com tendência para absorver a acção de outros. Recentemente, o senhor Primeiro-ministro disse em Braga que o Estado precisa da Igreja para levar a todos os lugares a sua acção em favor dos cidadãos. É uma afirmação que precisa de ser lida correctamente. A acção social da Igreja não é supletiva da do Estado, nem a Igreja age como prolongamento da acção do Estado, como se fosse uma acção residual para os lugares onde o Estado não é capaz de chegar e chamada a desaparecer nessa altura. É o mesmo problema do ensino: o ensino da Igreja não é supletivo do estatal e destinado a desaparecer desde que o Estado chegue. O ensino e a assistência da Igreja têm luz própria, nascem da sua natureza e missão.

d) Finalmente, a caridade cristã não deve ser um meio de proselitismo religioso, a tentativa de impor a fé aos carecidos. O amor é gratuito, não é idealizado para alcançar outros fins. Esta recomendação tem grande actualidade nas Misericórdias e outras instituições católicas. Essa gratuitidade não significa, porém, que nessas instituições se deva esconder a sua natureza, o vínculo a Deus e a Jesus Cristo, retirando, por exemplo os sinais religiosos. «O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo estar calado, mas os sinais devem estar lá.

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