Terça-feira, 3 de Dezembro de 2024
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A cultura de cancelamento

Tenho acompanhado com alguma preocupação essa nefasta e mórbida cultura a que chamam cultura de cancelamento.

Nesta senda, já aqui referi que acho inaceitável que se ande por aí a esconder livros ou a rasurá-los porque chocam com as ideias luminosas atuais ou com a sensibilidade atual, não se percebendo que cada texto tem o seu contexto, o seu ambiente e a sua história, que devemos respeitar. Penso que o dever de cada sociedade é saber acompanhar a evolução do pensamento e das ideias, o progresso humano e social dos tempos, sem cair na soberba de pensar que é dona da verdade e que tem o direito de amaldiçoar e higienizar tudo o que está para trás.

Precisamos de estar atentos e combatermos a cultura de cancelamento que se impôs na sociedade atual, esta intolerância felina perante ideias e posicionamentos desalinhados com o ar do tempo ou com o pensamento da maioria. Há uma pressa exagerada em julgar friamente os outros, os seus comportamentos e as suas ideias. Quase que se instituiu o direito em ostracizar e linchar de forma desumana quem pensa diferente, quem teve comportamentos reprováveis, ou quem não se acomoda aos padrões deste tempo. Não gosto de ouvir frases como “não passarão”. Posso compreender que, por vezes, estamos diante de ideias estapafúrdias e perigosas, que não têm qualquer sentido e não podem ter qualquer concretização social. Mas a frase sugere intolerância, pode incitar ao ódio e à segregação do outro. O melhor caminho é sempre continuar a dialogar, combater as ideias com ideias, desmantelar e combater as ideias pela força do pensamento e não pelo cancelamento.

Mao Tsé-Tung dizia aos chineses em 1957: “O verdadeiro e o falso na arte e na ciência é uma questão que deve ser resolvida pela livre discussão nos meios artísticos e científicos, pela prática da arte e da ciência e não por métodos simplistas. Para determinar o que está certo e o que está errado, é muitas vezes necessário fazer a prova do tempo. É, por isso, para determinar o que está certo e o que está errado na ciência e na arte, que é preciso adotar uma atitude prudente, encorajar a livre discussão e evitar tirar conclusões apressadas”. Na ciência e na arte e em todos os campos da vida, acrescentaria eu. Acima de tudo, penso que é fundamental a informação, ouvir pontos de vista, tentar perceber o pensamento dos outros, sem pressa em julgar ou insultar. Dá mais trabalho, é verdade, mas é a forma mais correta e humana de sabermos estar uns com os outros.

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