Sendo que uma das suas facetas, mais estranhas, tem-se revelado no apoio a determinadas figuras públicas, por parte de grupos de cidadãos, para logo depois, no espaço de pouco tempo, manifestarem o seu contrário, isto é, o seu desagrado e repulsa, para com essas mesmas figuras.
E porque constato que assim é, recordo-me do que se passou com algumas das mais conhecidas personalidades da nossa história contemporânea como foi o caso de Marcello Caetano, António de Spínola e Afonso Costa, só para citar algumas, como exemplo paradigmático do comportamento irracional do Zé Povinho, quando integrado em grupos de manifestantes e se deixa levar pela corrente, por oposição à postura de cada um quando atua isoladamente.
Marcello Caetano tinha sido entusiasticamente ovacionado no estádio José de Alvalade, em 31 de março de 1974, num desafio de futebol, a contar para o campeonato nacional, a que tive oportunidade de assistir, entre o Sporting e o Benfica, no qual os leões perderam por 5 a 3. Mal o antigo primeiro-ministro assomou à tribuna de honra, antes do inicio do encontro, foi calorosamente aplaudido pela assistência presente. Porém, vejam só, decorridos que foram alguns dias, em 25 de abril do mesmo ano, quando se refugiou no Quartel do Carmo, acabou por ser vaiado, humilhado e mimoseado com toda a série de impropérios, no Largo do Carmo, pela multidão que ali tinha acorrido, quando se encontrava no interior da Chaimite que o havia de conduzir ao Quartel da Pontinha e donde acabaria depois por seguir para o Funchal. Muitos dos que o apuparam e insultaram, naquele momento, com certeza que o tinham aplaudido dias antes. É assim a natureza humana!
O mesmo se passou com Spínola. Alvo dos maiores encómios e manifestações de apreço no dia 25 de Abril, e no período imediatamente a seguir, acabou também vítima dos insultos e do agravo da populaça, na sequência dos acontecimentos do 11 de março de 1975. Tendo a sua residência particular inclusive sido invadida e saqueada por grupos organizados de populares enraivecidos.
Situação semelhante já antes tinha acontecido com Afonso Costa, personalidade proeminente da 1.ª Republica que, após o derrube da Monarquia, se tornou no líder incontestável do Partido Democrático a par do Partido Republicano Evolucionista, de António José de Almeida e do Partido da União Republicana, de Brito Camacho. Promoveu e incentivou várias manifestações de rua contra os seus adversários políticos, para acabar, anos mais tarde, por ser preso e obrigado a exilar-se em Paris, na sequência do golpe levado a cabo por Sidónio Pais. Também aqui, muitos dos populares que antes o apoiavam e idolatravam, assaltaram a sua casa de Lisboa, tendo atirado os móveis e outros objetos pessoais para a rua.
São três exemplos elucidativos da volatilidade comportamental do Zé Povinho, que ora se manifesta num sentido, ora se exprime noutra direção, diametralmente oposta, quase sempre incentivado por demagogos sem escrúpulos, que num assomo de ódio e de alguma cegueira ideológica levam multidões ululantes a provocar desacatos que, não raras vezes, redundam em tragédia.