a) Cenário económico
Os dois modelos económicos que Europa experimentou durante o século passado foram, genericamente, o capitalista e o estatal. Isto é, as grandes fontes de produção da riqueza económica ou estão nas mãos de pessoas singulares e grupos de cidadãos, ou nas mãos do Estado. O primeiro, também chamado sistema de economia privada ou economia de mercado livre, baseia-se na iniciativa pessoal; o segundo, também designado colectivista, confia ao Estado a posse dos bens de produção e a gestão da riqueza produzida. O risco do primeiro é a busca do máximo lucro para os detentores dos meios de produção e do dinheiro; o segundo revelou-se historicamente incapaz de produzir riqueza e, consequentemente, nada tem para distribuir.
Resta aceitar o sistema de marcado livre, e, para evitar a tentação do abuso das forças de produção e dos poderes financeiros, construir um Estado forte que vigie, dependendo dessa vigilância formas de capitalismo mais violento, ditas neoliberais, e formas mais benignas. (Os saudosistas do sistema estatal apelidam todos os outros sistemas de capitalismo neoliberal e ultraliberal).
Actualmente, o mercado livre, apoiado em redes financeiras internacionais, saltou as barreiras de cada país, tornando mais difícil o seu controlo. Os conhecidos princípios de ética social que nos sistemas financeiros nacionais se dirigiam às pessoas singulares e que os Estados podiam vigiar, parecem abalados. Dessa ausência de um poder mundial de controlo se queixou o Papa na sua encíclica «A Caridade na Verdade». Foi essa falta de poder que deu origem à crise actual e continua a ameaçar o esforço das nações. Não valendo a pena sonhar com o regresso à economia estatal, como conseguir impor regras a esses grupos sem rosto?
b) Cenário da investigação científica e tecnológica
A ciência apresenta-se hoje inseparável da técnica, apoiando-se mutuamente. A ânsia pela eficácia técnica invadiu todos os sectores, desde os mecanismos da vida até ao espaço cósmico. Tudo o que é possível fazer-se tende a ser tomado como direito a ser feito. À essa dupla ciência-técnica pede-se tudo: a cura da doença, a melhoria da saúde, o conforto e o bem estar, a multiplicação rápida dos produtos e dos animais da terra, dos rios e do mar, a segurança na velhice e até o retorno à vida depois da morte!
A ciência assume-se como sucedânea da religião e alguns cientistas são portadores de um novo misticismo, de uma forma de sabedoria. Dir-se-ia uma nova versão de gnosticismo. Sonha-se com a organização mágica da vida, e por toda a parte aparecem religiões novas, as «religiões da prosperidade», formas terapêuticas de gratificação corpórea, do conforto e do bem-estar. Em tais «religiões» não se fala de pecado nem de arrependimento nem de perdão nem de eternidade, e as pessoas tornam-se alérgicas a esses temas constantes das religiões clássicas e, nomeadamente, da religião cristã.
Como apresentar aí a religião cristã, portadora da maior transcendência, a própria ressurreição? Que contributo pode a fé cristã dar a esse mundo?
c) Cenário político
Terminada a divisão do mundo em dois blocos (o soviético e o americano), intimamente ligados aos dois sistemas económicos já referidos, surgem diversos grupos de pressão: o «islâmico», o «asiático», o «europeu», o «africano», o «sul-americano» ao lado do «europeu» e do «americano. Esses grupos procuram alargar o seu raio de influência política e fazer constelações nos mecanismos internacionais. Tecnicamente, não hesitam em agredir a natureza se isso for útil às suas ambições económicas.
2 – Cada um desses cenários tece uma malha complexa que parece toldar a dimensão religiosa, interrogando-se o cristão como há-de viver a fé e o amor do próximo. Cada cenário pede uma reflexão concreta, que não pode ser feita aqui. Há, contudo, atitudes gerais que um cristão deve ter como indiscutíveis:
a. Evitar a perplexidade e o medo. As situações novas são sempre portadoras de algum nevoeiro e leva tempo a desvendar os seus apelos mais profundos.
b. Evitar cair na armadilha da defesa de uma «religião civil» como substituto da fé, fonte de entendimento comum e acessível a crentes e descrentes.
c. Evitar viver a vida diária «como se Deus não existisse», mas procurar manter com Ele uma relação íntima, pessoal. Para isso, a Igreja deve cultivar o rosto de «Igreja maternal e doméstica», próxima das pessoas, aproveitando a piedade popular, as grandes peregrinações, as celebrações da juventude e os novos movimentos da Igreja e, nessas celebrações de forte carga afectiva, ajudar as pessoas a raciocinar, fazendo a educação da fé dos participantes.
d. Ser inventivo, compreendendo que não é suficiente «fazer o que sempre se fez».
e. Na pregação ter em conta algumas regras básicas: falar a partir do que se vive (não do saber teórico), «iniciar» as pessoas na experiência cristã (na catequese e nos sacramentos), não se restringindo à informação intelectual, integrar a acção pastoral no ritmo da igreja diocesana, recorrer ao uso da Palavra de Deus e não aos lugares comuns da sabedoria dos homens, ter em conta a componente «Logos» (racionalidade da fé), fazer a «abertura ao mundo» (despertando para os problemas sociais) sem nunca esconder nesses contextos os temas clássicos do pecado, da conversão, da graça, dos novíssimos: há hoje outros pecados, ou melhor, há outros modos de cometer os mesmos pecados de egoísmo, de roubo, de sensualidade, de homicídio, de idolatria.
f. Agir com Alegria e Esperança teológica, cultivar o espírito de Pentecostes, e não viver apoiado somente em seguranças psicológicas e sociológicas.
3 – As enormes mudanças sócio culturais demonstram que se alterou o tabuleiro, mas os jogadores e as regras são as mesmas: o «próximo» que é preciso respeitar já não é só o vizinho do quintal do lado cujo rosto conhecemos mas o viajante da Net; a tentação do jogo não se restringe ao tasco da aldeia, mas estende-se aos jogos de certos depósitos; o abuso de falsos produtos não se limita à venda de ovos estragados no caminho da feira, mas ao exagero dos químicos no cultivo das hortaliças e na multiplicação de animais em cativeiro; de igual modo, a invocação do nome de Deus em vão não se faz somente na ida à bruxa da aldeia mas na criação dos misticismos técnicos. Numa palavra, a transmissão da fé não se faz repetindo gestos antigos, mas requer a leitura evangélica dos novos espaços e relações. É preciso aprender a situar-se.