Os incêndios são uma espécie de sina a que estamos já habituados e que, de ano para ano, se transformam em dimensões demoníacas.
Agora, é olhar paisagens que dantes eram pequenos paraísos e, olhando-as, sentimos uma dor no peito, no coração, uma dor na alma flagelada. Perante a ação de agitadores incendiários, que fazer? E esses malvados causam em todos nós dor e revolta porque normalmente não são punidos por tão assassinas ações.
Há dias assisti a um dantesco incêndio em que as pessoas andavam aos gritos alucinadas. Os bombeiros chegavam em viaturas apressadas com o vento soprando forte, sentindo-se o fogo rei e senhor daquele inferno ardente…e as crianças agarravam-se às mães gritando porque as mães gritavam e os velhos esperavam simplesmente que o cigarro se lhes apagasse na boca. E havia animais a fugirem desesperados e o pouco verde da vegetação se tornava da cor da morte. Ao passar por uma casa, as chamas saíam pelas janelas e pelo telhado, fazendo dançar grandes sombras vermelhas sobre um improvisado armazém. E a um velho de olhos vidrados tremiam-lhe os queixos sobre a espessa papada, e cravava os olhos atónitos na sua casa incendiada. E levantava o crucifixo aos céus.
E, no meio de tanta selvajaria, o país perde as suas florestas, as suas fronteiras de paz, ficando as matas viúvas amputadas de giestas, estevas e tojo.
Em alguns lugares há capelinhas nos montes que serviriam de vigias se nelas houvesse almas de vigia…
Estaremos nós condenados a esta fatalidade de terra queimada? Deprimente olhar as serras queimadas, tudo negro, até a terra. Vidas e emoções dizimadas: sonhos e vidas paradas. E as mulheres perdem por vezes os seus bombeiros na crueldade de fósforos certeiros ateados por mãos criminosas.
Antigamente quase não havia incêndios…fogo que houvesse, os prejuízos maiores não os faziam as chamas, mas os bombeiros improvisados na ânsia de tudo molharem e de tudo salvarem. Abriam caminho à machadada, escaqueiravam mobílias e loiças, arrombavam tabiques. Ao toque dos sinos a rebate, a população acorria com baldes de água, foices e machados e quando os bombeiros chegavam já tudo estava apagado, os soldados da paz abandonavam a presa, olhando alguns bravos com pensos e ataduras… ninguém ousava pegar fogo porque as pessoas respeitavam a natureza como um bem sagrado e, porque se alguém fosse apanhado em flagrante delito, a população não era branda em fazer a sua própria justiça…Em tempos tão sombrios, escrever, ler, declamar, ouvir, replicar, mas também imaginar, podem ser considerados gestos de resistência contra a desesperança