Qualquer pessoa, minimamente atenta e honesta, concluirá que, hoje, vivemos uma acentuada crise da consciência moral. Confunde-se o bem e o mal com o “sentir-se bem ou sentir-se mal”. Efectivamente, os critérios éticos dominantes estão pervertidos, em relação aos valores da matriz cultural que sempre caracterizaram a sociedade europeia.
Com o desaparecimento da fenomenologia do sagrado, assistiu-se à perda de consciência da eternidade e do dever imperativo. De facto, o mundo tem manifestamente revelado não ter espaço para Deus… Quando assim é, acaba por admitir, em seu lugar, a arbitrariedade e o egoísmo.
O sentido que deve nortear a vida de cada um não nos é dado pela luz transcendente que ilumina toda a história humana, mas, sim, pelo nosso próprio instinto e invenção. O homem ainda não percebeu que, por si só, não consegue fazer nada de consistente!.. E não aprendeu que só iluminado por essa luz, num trabalho de educação paciente e permanente, conseguirá aprender a viver e a encontrar a verdadeira vida.
A filosofia, a moral e a religião foram expulsas dos critérios normativos que promovem o homem; o único critério de filosofia, de moralidade e de religião é o sujeito, a consciência subjectiva que não reconhece nem aceita o Outro. Ora, este sujeito que decide em função de si mesmo converte-se numa realidade isolada, cujos parâmetros de vida moral mudam, constantemente.
Na tradição cristã, “consciência” quer dizer “con-ciência”, isto é, o nosso ser está aberto para escutar a voz do próprio ser, a voz de Deus. Aí encontraremos a essência dos grandes valores e princípios, ingredientes imprescindíveis na construção de um verdadeiro sentido de vida. Daí que a grandeza do homem consista, exactamente, em não encerrar-se em si mesmo, em não ficar reduzido ao material e sensível, ao quantificável, mas em estar aberto, interiormente, ao essencial e ao Outro. No íntimo do nosso ser, até podemos sentir as necessidades de momento – naturalmente que algumas de carácter material – mas, também, escutar a voz do próprio Criador e assim distinguir-se o que é bem e o que é mal.
Esta capacidade de escutar deve educar-se e desenvolver-se. É este o desafio que a nós – crentes e com fé – nos é proposto: desenvolver esta capacidade, doada por Deus ao homem, de escutar a voz da verdade, do imperativo ético e dos valores universais que enobrecem o Homem…
Numa entrevista, dada em 26 de Julho último, o grande filósofo espanhol, Vicente Centeno, afirmou: “O futuro da Europa e a saúde da razão passam pelo cristianismo como motor de cultura e história”. Nessa entrevista, aquele pensador concluiu que a Europa nada no mar amargo da desolação espiritual. O papa, Bento XVI, tem insistentemente denunciado a ditadura do relativismo que dirige os espíritos e advertido que a Europa corre o risco de despedir-se da história.
De facto, já nem ateísmo humanista há… Hoje, impera um laicismo bárbaro e agressivo, num tempo de falsificação da história e do desprezo do homem. Os ideais niilistas que impregnam, até ao cerne, a cultura actual, colocam os pensadores “de vanguarda” instalados na morte de Deus e na proibição de a Ele ser feita qualquer referência ou menção… Naturalmente que, neste laicismo obscurantista e totalitário, não é fácil fazer chegar a Palavra de Deus, ao povo.
É chegada a hora de os crentes fazerem jus ao seu nome e à sua condição. Há que salvar o que há de valioso e de verdade, na modernidade e no mundo contemporâneo, para construirmos uma outra cultura, onde o verdadeiro crente seja sal da terra e luz do mundo. Assim se compreenderá que os cristãos estejam para o mundo como a alma para o corpo… Um corpo sem alma está morto!.. Assim, também um mundo sem pessoas crentes e com fé é um mundo morto, um mundo sem vida… Assim como a alma mora no corpo, sem a ele pertencer, também os cristãos moram no mundo e a ele não pertencem… Tal como a alma está no corpo para o manter, também os cristãos estão no mundo para lhe dar a vida necessária.
O cristianismo foi e terá de ser sempre o mais importante gerador de história e de cultura, independentemente de o mundo reconhecer, ou não, Deus…
* Mestre em Bioética Teológica