O Governo insiste em afirmar que pretende apenas acabar com uma discriminação sobre o casamento na sociedade portuguesa, sem permitir a adopção de crianças; os partidos opostos respondem que é uma maneira de desviar as atenções dos cidadãos da realidade económica e financeira; e há até quem defenda que essa lei é o primeiro passo para depois vir a proposta de adopção de crianças. Não falta lógica a este aviso: assim como alteraram a definição de casamento no Código Civil para lá caber a mudança desejada, podem no futuro alterar a actual proibição da adopção para que os casamentos sejam ainda mais iguais e «não haja discriminação». Dão um passo de cada vez, como fizeram na lei do aborto: pedem muito para conseguir a concessão de alguns casos, e, obtidos esses vão-se alargando depois. Agora excluem a adopção para obter o casamento e, mais tarde, pode vir a adopção.
2 – Seja como for, o que é patente é o malabarismo jurídico para conseguir a aprovação dessa lei.
O artificialismo está no abuso do conceito de discriminação: esta existe quando a lei trata de modo diferente coisas iguais ou de modo igual coisas diferentes. Compreende-se, por exemplo, que no acesso ao emprego, à escola, à saúde e a outros bens sociais não haja diferenciação por motivo de sexo. Agora que os homens tenham quartos de banho distintos dos das mulheres e coisas do género, é normal, pois é o próprio sexo que impõe essa diferenciação, e mal seria que fosse tudo igual. Aceitar a distinção não é fazer discriminação nenhuma, é bom senso: trata-se de modo diferente o que é diferente. O mesmo deve acontecer no casamento que, por definição e no entendimento de todos os povos, se baseia na diferenciação sexual. É esse o sentido óbvio de palavras como «casal» e «acasalamento».
Também a linguagem jurídica classifica com nomes próprios as realidades diferentes, e nunca deu à palavra casamento aquela amplitude de saco de pedinte, mas define-o como algo relativo à união sexual de homem e mulher. Isto é tão claro que, estou convencido, os próprios defensores da proposta sabem que não têm razão, mas procedem assim por obediência ideológica.
Diz-se que há uma leitura da Constituição da República favorável àquela pretensão dos homossexuais. Uma tal leitura está fora da tradição jurídica e obedece às mesmas intenções políticas e ideológicas.
3 – Se for aprovado o diploma, ele representa um acto contra cultura, quase uma anarquia, e com efeitos perversos na sociedade, não pelo número de casamentos, que não é elevado em parte nenhuma do mundo, mas pela violência que representa. Ficará como triste glória deste Governo e deste Parlamento, dados a fantasias.
Uma lei vale como sinalização social na defesa de um valor ameaçado. Ora esta lei do casamento homossexual, que valor quer defender? A família não, como é evidente; a saúde não, pois ninguém desejará que os filhos se fixem nesse estados psíquicos considerados não normais; a educação não, pois até a prejudica na medida em que pode retardar a evolução normal do adolescente travando-a ao «fixá-lo na indefinição sexual.
Os defensores de tais casamentos dizem que defende a «igualdade», mas essa igualdade legal é um capricho, uma violência sobre a natureza das coisas. Socialmente, o «casamento gay» e o «casamento lésbico» serão sempre classificados como tais e assim se manterá a inevitável discriminação. Os cidadãos tolerarão tais casamentos mas não os tomarão a sério, não os considerarão normais, e oxalá não venhamos a ter no futuro cidadãos incomodados por fazerem «discriminação» social desses casais: os homens e mulheres que seguirem a vida militar poderão constituir tais «casamentos»? Poderão apresentar-se como tais em actos públicos? Poderão ser educadores de crianças? Os pais aceitarão que eles falem aos seus filhos da educação sexual? Poderão esses «casais» exercer tarefas diplomáticas e apresentar-se como tais em actos oficiais? Poderão ascender a cargos cimeiros como a Primeiros Ministros e Presidência da República? Não irão queixar-se de serem discriminados?
Ao fazer uma lei, o legislador não pode fixar-se no prazer de uma vitória aqui e agora, mas tem de olhar para os efeitos da lei no futuro. E uma lei contra a natureza é sempre fonte de discriminação, por ser filha de uma ditadura do «posso, quero e mando».
4 – Os republicanos de 1910 devem estar contentes com esta lei. Há cem anos, eles limitaram-se a impor o casamento civil e o divórcio mas mantiveram-se dentro das leis biológicas. Os seus sucessores foram muito mais longe, romperam as barreiras da natureza, desceram uns degraus: ultrapassaram o casamento civil aceitando as uniões de facto sem precisar de qualquer registo público da união; alargaram o divórcio até eliminar o divórcio litigioso, bastando a decisão de um dos cônjuges para destruir o casamento; e agora fabricam o casamento de pessoas do mesmo sexo! São os mesmos que já haviam imposto o aborto por simples pedido da mulher sem ser preciso ouvir o marido ou o pai da criança e podendo recorrer aos hospitais em condições óptimas, uma e mais vezes. Como estendal de «libertarismo», é um êxito.
Os autores da lei insistem que não querem criar uma questão religiosa e se trata de actos meramente civis. Não julgamos intenções. Mas a verdade é que as coisas não são assim rudimentares. Ao desprezar a natureza desprezam a Criação, o nome cristão da natureza, como ensina o Papa na encíclica «Verdade na Caridade». Desse modo, o desprezo da sexualidade é um desvio do plano do Criador. Como escreveu há anos um teólogo, a homossexualidade impediria a Encarnação do Filho de Deus.
Politicamente, a sexualidade insere-se na ecologia geral do universo, não se podendo defender uma parte a desprezar a outra. Ora grande parte por grupos que em Copenhaga lutavam pelo respeito pelas outras realidades naturais (a água, os rios, as florestas, a despoluição do ar) são os mesmos que no caso do casamento desprezam as leis naturais, desrespeitam a vida humana antes de nascer e cultivam o comércio de embriões humanos. Isto basta para se compreender que espírito preside a tais legislações.
Em várias notas pastorais os bispos advertimos os cidadãos, e nomeadamente os cristãos, que, ao votarem, não se fixassem unicamente nos aspectos económicos mas atendessem aos aspectos relacionados com a família. Os eleitores menosprezaram essa advertência, os candidatos desses partidos calaram tais assuntos durante a campanha eleitoral (quem diz que falou disso está a mentir) e agora invocam a sua legitimidade política! Os eleitores devem examinar o seu comportamento.