A razão profunda da entrada e permanência dos jovens no Seminário é, portanto, examinar e desenvolver a vocação ao sacerdócio e não, propriamente, fazer os estudos oficiais em melhores condições. Nisto se distingue o Seminário de uma mera escola católica, o que não quer dizer que a escola católica não deva andar atenta à possível vocação de algum dos seus alunos, mas quer acentuar a diferença da finalidade de cada uma das instituições e, no caso de se descobrir em algum jovem da escola sinais de vocação, esse jovem deve ser oportunamente orientado para o Seminário como o lugar normal para aí prosseguir o seu percurso. Algo semelhante se deve dizer dos movimentos de jovens como o CNE (Escutismo Católico Português). Há países e dioceses onde a maior parte dos jovens candidatos ao sacerdócio vêm dessas escolas e movimentos. As escolas e os movimentos católicos de jovens onde nunca surge uma vocação devem interrogar-se sobre o clima que neles se respira.
Efectivamente, «o dever de fomentar as vocações pertence a toda a comunidade cristã que deverá cumpri-lo, em primeiro lugar, por uma vida plenamente cristã. As primeiras comunidades cristãs são as famílias que, animadas pelo espírito de fé e de caridade, se tornam como que o primeiro seminário, e contribuem também as paróquias de cuja vida participam os próprios adolescentes» (Decreto cit. 2).O Papa João Paulo II disse que seu pai, viúvo, e após o falecimento precoce dos outros dois filhos, o acompanhava a ele, estudante de vinte anos, e o seu comportamento «foi para ele o primeiro seminário, um seminário doméstico».
2 A consciência desta orientação inicial do espírito dos alunos que procuram o Seminário influi muito na estruturação da sua personalidade, e os pais devem estar conscientes daquela orientação. Por isso é que a aprovação dos alunos no exame de admissão não significa que sejam admitidos ao Seminário, uma vez que outros factores não intelectuais serão tidos em conta, tais como equilíbrio afectivo, situação canónica das famílias, hábitos elementares da vida de piedade. As crianças e adolescentes saem das famílias cada vez mais fragilizadas nos planos afectivo, cultural e religioso, e quando essa fragilidade atinge um certo desnível é quase patológica.
Antes do Concílio, nenhum adolescente ou jovem poderia fazer esse exame de admissão sem levar consigo uma informação do respectivo pároco sobre o próprio candidato e a sua família, nomeadamente o casamento dos pais, a sua estabilidade e a vida de piedade. Depois do Concílio, tem havido alguma hesitação nessa exigência e aparecem candidatos de pais separados ou em graves conflitos internos, filhos de pais emigrados e confiados aos avós e tios residentes em Portugal, com pouca ou nenhuma vida de piedade.
Depois de anos de condescendência, algumas Congregações Religiosas masculinas decidiram cortar com essas tolerâncias e não admitir alunos oriundos de famílias com graves carências ou desequilíbrios afectivos. Nestes casos será melhor esperar que tais adolescentes façam o seu percurso humano e académico junto dos familiares, e sejam simultaneamente ajudados em encontros apropriados. Quando forem mais adultos, eles próprios se tornarão conscientes do seu querer e da sua entrada no internato. É que as carências afectivas num ambiente de internato podem tornar-se mais delicadas que noutro ambiente de família.
3 Hoje, por motivos económicos e número reduzido de alunos, levanta-se em muitas dioceses um outro problema delicado: a frequência da escola pública mais ou menos laicizada durante o curso de Humanidades, ficando a vida do internato reservada para os actos de formação religiosa e espiritual dos alunos. Esta separação entre a formação cultural e a formação espiritual dos alunos pode gerar neles uma dicotomia interior, de modo que os alunos se sintam partidos a meio, com a cabeça de um lado e a vida espiritual do outro.
Esse perigo é tão real que, na orientação da vida das Escolas católicas, as normas da Congregação Pontifícia da Educação Católica insistem que todo o clima interno dessas escolas deve respirar um clima católico, mesmo fora das aulas, pois só assim os jovens assimilarão o espírito católico. Essas normas esclarecem até que uma Escola não pode chamar-se «católica» por iniciativa da direcção nem por nela se ministrar a aula de Moral e Religião Católica, mas requer o pronunciamento da autoridade eclesiástica e o pressuposto da existência daquele clima na vida interna da casa e no projecto educativo.
Com maioria de razão isso deve ser observado na formação dos seminaristas, o que não está garantido facilmente na situação referida. Seria doloroso que a equipa formadora do Seminário tivesse de andar a desmontar em casa a estrutura mental do que foi leccionado na escola, o que, além de impossível, seria deseducativo por criar um clima permanente de suspeita acerca dos professores. O Decreto já citado diz noutra passagem: «Os professores e todos os que de qualquer modo têm a seu cuidado a educação de crianças e de jovens, principalmente as associações católicas, de tal modo se esforcem por cultivar os adolescentes a si confiados que estes possam conhecer a vocação divina e segui-la de boa vontade».
4 Estas orientações destinam-se directamente aos chamados Seminários Menores, mas elas aplicam-se, de algum modo, aos Seminários Maiores cujos alunos frequentem as Faculdades de Teologia abertas a toda a gente. É que as matérias são aí leccionadas numa perspectiva «científica, cultural, fria e ecuménica». O candidato ao ministério precisa de algo mais, e esse suplemento terá de ser ministrado nos Seminários ou noutra comunidade residencial. Um tal trabalho constitui uma grande urgência, um desafio perante o risco do intelectualismo. Todas as dioceses portuguesas tomaram consciência disso quando optaram por enviar os seus alunos para a Faculdade de Teologia.
*Bispo emérito de Vila Real