E porque sendo ela uma das raras figuras públicas que mais contribuiram para a internacionalização do nome de Portugal, decidi dedicar esta crónica à diva da canção nacional, dada a circunstância de ela ter sido vítima de calúnias e aleivosias no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril, situação desconhecida de grande parte dos portugueses, principalmente, das camadas jovens.
No livro Na Sombra do Poder, de Pedro Feytor Pinto, são narrados episódios e acontecimentos de perseguição politica, pelo novo poder instalado, a figuras conhecidas do antigo regime, que mais não são do que atitudes de puro revanchismo e de ajuste de contas pessoais. Amália Rodrigues foi uma dessas vítimas que se viu envolvida numa onda de boatos, que a intranquilizaram e lhe causaram a maior das angústias.
PFP refere que num determinado dia antes do 1.º de Maio de 1974, a recebeu a seu pedido, no seu gabinete, no Palácio Foz, pelas 10h30 da manhã, tinha ela vindo de Espanha, “horrorizada pelos boatos que lhe tinham feito chegar acusando-a das maiores vilanias”. Para a acalmar acrescenta: “Procurou-se encontrar uma fórmula que fornecesse à opinião pública o respeito que se continuava a ter pela artista e pela mulher extraordinária a que Portugal tanto devia. A melhor fórmula seria que ela pudesse participar num programa de televisão, dissipando assim todas as dúvidas. O programa, naqueles meses, não se realizou mas […] foi possível aos militares desfazerem as calúnias que sobre Amália tinham sido lançadas”.
Noutro passo do mesmo livro adianta: “Como era hora do almoço, tendo-lhe perguntado onde ia almoçar, disse ir para casa. Sugeri-lhe então que fôssemos ao Grémio Literário. Aceitou. Descemos juntos a escada da porta central do Palácio Foz onde estavam de guarda dois marinheiros que ao verem Amália Rodrigues apresentaram armas com um sorriso de orelha a orelha […] Chegados ao Grémio Literário, nunca vi tanta gente meter, de repente o nariz na sopa. Porém o diretor do Grémio, o Geraldo Sales Leine, que era inteligente, rapidamente se apercebeu que se eu a levava ali era porque nada havia que lhe fosse criticável. Veio então cumprimentá-la e a partir daí foi um corropio de saudações e cumprimentos vindo de todas as mesas. A Amália recebia todos os cumprimentos como se nada fosse, nunca tivesse sido objeto de dúvida, tudo tivesse acontecido normalmente. De vez em quando olhava para mim com a intensidade do sentimento e da inteligência que a caracterizavam. Ficamos amigos, ainda mais, até ao fim dos seus dias. Ela nunca mais falou neste incidente que lhe fora tão doloroso. Era uma grande senhora”.
De facto os revolucionários de ocasião aproveitam sempre os ventos da história para denegrir e destruir psicologicamente figuras de relevo do meio intelectual, cultural e social, como pretenderam fazer com Amália Rodrigues. Não o conseguiram mas, infelizmente, atingiram os seus objetivos com tantas outras figuras bem nossas conhecidas.