Lembrando tempos recuados, da nossa meninice, à espera das rabanadas, das filhós de carreiro, da raia cozida, ou do arroz doce que a mãe sabia preparar a nosso gosto, no caso dos mais velhos, ou tão só o Natal em que os pais, por detrás da figura do sorridente Pai Natal que vem do Pólo Norte, nos fizeram chegar a consola do último modelo para jogar com os colegas da escola nas férias, ou, mesmo, no intervalo dos estudos, no caso dos mais novos. Uma diferença muito grande, em meio século, poder-se-á dizer. A evolução dos tempos, dirão outros, mais tolerantes. Os constrangimentos provocados pela pandemia da covid-19, num ano que todos desejamos que chegue depressa ao fim, suscitaram reflexões sobre a sociedade hodierna, as suas preocupações, preferências e prioridades. O Natal, mesmo que poucos dias após a famosa invenção dos americanos, a Black Friday, tornou-se a expressão mais clara do consumismo em que progressivamente se foi transformando a sociedade deste nosso tempo. As reivindicações para que o Governo mantivesse horários mais abertos nos fins-de-semana de dezembro são uma pequena mostra dessa necessidade de tempo para entrar centros comerciais adentro, ou mesmo nas ruas das zonas históricas das cidades, nas que ainda se mantêm vivas, já que nem todas aguentaram essa novel forma de concorrência, e satisfazer as necessidades que uma publicidade desenfreada desperta nos mais incautos. De um lado, os comerciantes, que têm menos tempo para vender, dizem; do outro, os consumidores, tentando encontrar pretexto para procurar, mexer, comprar, ou não, coisas úteis ou nem tanto, espalhadas por aqui ou por ali, em lojas abastecidas por fabricantes de outros continentes para onde foi deslocalizada a produção à procura de mão-de-obra barata, num movimento justificado pela globalização. Resultado de um trabalho levado a cabo, sabe-se lá em que condições, por vezes, por crianças que deviam estar na escola!
Esta realidade da pandemia motivou o Papa Francisco, convencido que está dos malefícios dessas opções, a um apelo no sentido de realçar valores diferentes para este Natal, tornando-o, nas suas palavras, «mais puro, autêntico e verdadeiro. Menos consumista». Convidando-nos a aceitar os constrangimentos necessários ao combate à pandemia que nos aflige, para a qual, com a ajuda da ciência, se está a encontrar uma boa solução.