Terça-feira, 10 de Dezembro de 2024
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Eduardo Varandas
Eduardo Varandas
Arquiteto. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

As irmãs tocatas e o castelo

Duas irmãs, conhecidas pela peculiar alcunha de Tocatas, muito parecidas, quer fisionomicamente, quer nos jeitos e trejeitos que as caracterizavam, viviam num sítio designado por Castelo, local afastado da aldeia de Guiães, cujo nome não tinha nada que ver com a existência de qualquer fortificação.

Talvez a sua localização, na encosta sobranceira ao pequeno rio Ceira, afluente da margem direita do Douro, delimitando a fronteira administrativa entre as freguesias de Guiães e Gouvinhas e, consequentemente, os concelhos de Vila Real e Sabrosa, tenha estado na origem desse topónimo. Outrora, um lugar constituído por um pequeno aglomerado de casas térreas, de paredes de alvenaria de pedra à vista e coberturas de telha de canudo, está hoje transformado numa vinha, as existências do passado são apenas miragens, somente existe uma pequena edificação de apoio à atividade agrícola.

As Tocatas faziam o seu dia a dia no Castelo, deslocando-se regularmente à aldeia, aos domingos, para aí se abastecerem de produtos alimentares e de outros bens de primeira necessidade, que lhes permitiam assegurar a sobrevivência semanal. Essas deslocações faziam parte de uma rotina que se manteve inalterada durante largos anos. Saíam de suas casas pela manhã, com destino à taberna/mercearia da Tia Maria Cândida, onde assentavam arraiais, e aí permaneciam, todo o santo dia, petiscando e beberricando, para regressarem, ao seu poiso original, à tardinha, depois de mal comidas e bem bebidas. O percurso fazia-se por um caminho de pé posto, sinuoso e pedregoso, o que, dado o estado de embriaguez que apresentavam, fruto da ingestão imoderada da bebida, contribuía para que, volta e meia, se estatelassem ao comprido. Assisti a algumas dessas cenas, na rua onde morava, por onde normalmente transitavam e era vê-las amparadas a um pequeno cajado e à inseparável cabaça, atestada do precioso néctar do deus Baco, a que não resistiam, de vez em quando, em levar à boca para satisfação do vicio incorrigível, entranhado nos seus corpos.

Uma vez por outra, eram acompanhadas pelo Milordes, marido de uma delas, de estatura baixa, muito franzino, usando o chapéu tradicional, que lhe dava um aspeto ainda mais pequeno e, ao mesmo tempo, pitoresco, provocando em nós um misto de galhofa e zombaria.

As Tocatas fazem parte do nosso imaginário, que nos remete para a história de figuras típicas dos meios rurais, que deixaram a sua marca indelével, associada ao modus vivendi de outros tempos.

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