Há bandas militares que possuem uma sonoridade imaculada, quase irreal, plasmando o sofrimento da humanidade ou pelo contrário coroam e exaltam de alegria momentos contagiantes de pequenos sucessos da vida de cada um de nós…
O concerto que a Banda da Armada deu no dia 14, no Grande Auditório do Teatro de Vila Real, vai ficar perpetuado na memória de todos. O programa foi impressionante e sedutor… momentos sublimes que numa sala apinhada de gente, ninguém esquecerá tão cedo. Antes de atuar, já a banda estava condenada à apoteose, à ovação interminável como epílogo, à glória da sua participação.
Foi um espetáculo altamente ambicioso cujos músicos mostraram uma execução tecnicamente irrepreensível comparável às melhores formações musicais que se apresentam nos mais exigentes palcos da Europa…
A afinação e a sincronia dos naipes estiveram irrepreensíveis num conjunto maravilhoso, disciplinado e visualmente bem apresentado. A chama e o fascínio das várias orquestrações, do melodismo radioso às subtis harmonizações, da pujança das sonoridades à limpeza técnica dos executantes, foram ingredientes mais que justificados para que a assistência vibrasse ao rubro, aplaudisse calorosamente a Banda da Armada. Dirigir é um ato de amor. E ter várias centenas de pessoas a respirar ao mesmo tempo, pulsando todas juntas, dá ao maestro uma felicidade quase que etéreo…
Délio Gonçalves foi genial. Dirige como poucos. Meticuloso na condução, seguro e confiante, sublime… arrebatador pela entrega emotiva e intelectual. Cintilante no seu contágio para com os músicos, este maestro vai ficar certamente consagrado como uma das figuras maiores da direção artística de uma coletividade simplesmente grandiosa.
Momento alto do espetáculo aconteceu quando Dulce Pontes- a voz de Portugal- entrou no palco. Nome que em tantas ocasiões se associa à Banda da Armada. Figura incontornável como presença forte em palco, voz límpida e transbordante de energia e vitalidade. Só uma grande cantora consegue uma performance tão arrebatadora. Nela não há uma aresta, uma transição brusca: tudo é envolvente, sedutor e maleável. Com um perfeito domínio técnico e volume sonoro que galvaniza, Dulce Pontes foi igual a si própria: deslumbrante, irradiando uma força catalisadora para um espetáculo total.
Este concerto assinalou o centenário da morte do comandante Carvalho Araújo, figura ímpar na demonstração de força, altruísmo e coragem, conseguindo no comando do Caça – Minas Augusto de Castilho proteger o vapor São Miguel de ser afundado pelo submarino alemão U 139 em 14 de outubro de 1914. Carvalho Araújo foi marinheiro e homem de que a cidade de Vila Real tanto se orgulha e tão justamente o tem homenageado. Morreu em 1918 na Grande Guerra com apenas 37 anos de idade. Morreu num duelo desigual e com ele outros membros da tripulação. O S. Miguel conseguiu escapar ileso, acabando os alemães por afundar o Augusto Castilho com cargas explosivas e tiros de artilharia.
Foi linda e emotiva a homenagem que a cidade de Vila Real ofereceu a um grande homem e marinheiro. O concerto no Grande Auditório foi o corolário de um dia histórico para a cidade porque os músicos, pela arte, souberam interpretar a valentia de um homem que também ele engrandeceu a Marinha Portuguesa com a sua coragem inquebrantável e força moral e com sentido lídimo de alma patriótica. Vila Real e a Marinha Portuguesa estão de parabéns…