A preocupação está instalada sobre a possibilidade de as variedades tradicionais poderem ser substituídas por outras, nos circuitos de comercialização. A CAP e CNA estão de acordo sobre esta matéria e alertam para os perigos de saúde pública e para o reflexo económico da eventual invasão da batata transgénica. A estas vozes junta-se a Quercus que teme que esta nova espécie de batata “vá ser cultivada para uns fins, mas vai aparecer noutros fins” e poderá mesmo “aparecer na cadeia alimentar”. Contudo, a Comissão Europeia sossega as correntes contestatárias e sustenta que a ‘Amflora’ foi intensivamente testada, em especial no que toca à resistência a antibióticos.
O presidente da Câmara de Boticas, Fernando Campos, mostrou-se muito crítico em relação a esta medida comunitária. “O nosso concelho produz batata de grande qualidade e estamos todos preocupados com o facto de Bruxelas ter aprovado esta medida, cujos efeitos ainda desconhecemos. Embora apontem para que a variedade seja utilizada apenas na alimentação animal, eu pergunto: quem vai comer essas carnes? Ninguém garante que as mesmas não sejam misturadas com outras nos circuitos de comercialização, que poderão ter efeitos nefastos para a saúde humana. Esta região não precisa da batata transgénica, pois a nossa é de qualidade, é insubstituível e praticamente biológica”. O autarca apontou de novo o dedo à Comissão Europeia, considerando que a sua decisão “penaliza o mundo rural”. “Se todos andamos imbuídos na preservação e qualificação daquilo que melhor produzimos tradicionalmente, não entendo o alcance desta decisão, que me parece até contraditória. Assim, estamos a matar as regiões e a contribuir para a sua desertificação”. Fernando Campos deixou ainda um alerta. “É preciso que os consumidores estejam atentos, pois eles também têm de defender os seus interesses”.
Na zona do Barroso, outro concelho que produz muita e boa batata é o de Montalegre. José Justo, dirigente da cooperativa agrícola, corrobora das mesmas preocupações, referindo que a própria produção de carne e o reflexo na biodiversidade “poderá estar em causa”. “Montalegre produz batata de excelente qualidade. Independentemente de nos garantirem que a ‘Amflora’ será utilizada na produção de fécula e em rações para animais, a situação pode não ser tão linear como parece. Os malefícios dos produtos geneticamente transformados são reais para o ser humano. Partindo do princípio que os animais vão ser alimentados com esses produtos, o consumidor será o destinatário final. Por outro lado, nesta zona, temos produtos de grande qualidade, desde a batata, carnes e o mel, e não precisamos desta medida que vem estragar aquilo que temos de bom. A Cooperativa pretende que a batata transgénica não seja utilizada pelos nossos agricultores”.
A Confederação Nacional da Agricultura, CNA, através de Armando Carvalho assume também uma posição crítica sobre este assunto. Alguns estudos realizados apontam para os aspectos nocivos que os transgénicos têm para a saúde humana. Outra questão que se coloca é grave e tem a ver com a nossa região. Nós temos batata de altíssima qualidade, e não invoquem agora a questão da produtividade para sustentarem esta medida gravosa para o sector da batata tradicional. Muita da batata produzida na região é dada aos animais, porque as políticas de mercado que têm sido seguidas nos últimos anos não permitem aos produtores escoar a sua produção, como está a acontecer este ano. Por outro, as variedades de batata, ‘desiré’ e a ‘kennebec’, já estão adaptadas às condições climáticas da região e são postas em perigo com a eventual produção de transgénicos. Tudo isto representa um atentado à saúde e à economia da região”.
Mais cauteloso e não tão “radical” é a posição de Abreu Lima, da Confederação Nacional da Agricultura, que abordou este tema como dirigente e agricultor. “No fundo, não se pode ter uma posição tão radical e intransigente. Hoje, todo o agricultor vive num processo de concorrência extraordinariamente violenta, em relação aos de outros países, no caso concreto, os Estados Unidos que utilizam este tipo de produtos. Neste cenário, à partida, ficamos sempre numa posição de desvantagem. Aquilo a que apelamos é à consciência das pessoas. Devemos defender a produção natural, mas temos de analisar a evolução das coisas com prudência, mormente aquilo que nos aparece numa tentativa de sobrevivência”.
Abreu Lima sublinhou ainda que conhece pouco sobre este processo. “Aquilo que eu sei de produção de batata transgénica, em Trás-os-Montes, é relativamente escasso”. Porém, sei que há uma obrigatoriedade clara por parte do utilizador do produto transgénico de o declarar previamente. As situações destes produtos, quando aplicados, estão claramente identificadas por parte dos serviços públicos para que efectivamente haja um acompanhamento da produção e a sua introdução no consumo”. Apesar desta “moderação”, admitiu que não lhe parece que seja de todo saudável. Por um lado, “como agricultor, que sou, não vou usar este tipo de batata, enquanto não souber todas as consequências de um processo deste tipo. Mas, se porventura como agricultor que vive num mundo competitivo me for colocado um problema de sobrevivência, vou ter de a utilizar”.
Em 2004, um grupo de cientistas dinamarqueses testaram com êxito uma batata transgénica (não a ‘Amflora’) que permite compensar a falta de vitamina B-12, fenómeno comum na velhice e que pode causar anemia e demência. Os investigadores isolaram o gene proteico que facilita a absorção dessa vitamina no ser humano e introduziram-no nas batatas. Os resultados obtidos nas estufas da companhia, em Aarhus, foram bem sucedidos.
A batata ‘Amflora’ é um tubérculo concebido pela BASF, destinado ao uso industrial e à alimentação animal. Esta autorização põe fim a um processo que começou em Janeiro de 2003, na Suécia.