2 – Recordemos para os mais novos que o Papa nasceu na Alemanha, na região da Baixa Baviera, aos 16.04.1927, sábado santo no calendário litúrgico, e batizado nesse dia com o nome de José. Tem um irmão mais velho, Jorge, também sacerdote, ainda vivo, e uma irmã, Maria, já falecida, e que o acompanhara como dona de casa nos anos de magistério e em Roma.
Revelou-se desde jovem um homem fadado para o estudo, a reflexão e o ensino, tendo efetivamente dedicado ao magistério universitário os anos da sua vida sacerdotal. Durante o Concílio foi o teólogo do cardeal de Colónia e perito conciliar. Eleito arcebispo de Munique em 1977, o Papa João Paulo II confiou-lhe em 1981 a Congregação para a Doutrina da fé. Na altura manifestara ao Papa desejo de publicar alguns trabalhos científicos e perguntou se isso seria compatível com o novo serviço. Aceite o seu desejo de poder escrever e publicar, assumiria o cargo em Roma até à morte de João Paulo II, sendo eleito seu sucessor num dos conclaves mais breves da história.
3 – Como era de prever, Bento XVI mantém no seu pontificado a marca do teólogo de reflexão profunda e oportuna. O que causa maior admiração é a sua resistência física, aceitando desde o início fazer visitas pastorais frequentes e a países distantes de Roma, ele que nunca foi um atleta, tendo mesmo desde há muitos problemas cardíacos.
O traço dominante da sua atividade pastoral é, indiscutivelmente, a atenção às mudanças socioculturais, a clarividência no diagnóstico e a coragem na apresentação da resposta humana e cristã. Aqui ou além, surpreendeu alguns pela atitude demasiado frontal, como foi o caso do discurso em Ratisbona, na Alemanha, sobre a fragilidade crítica do Corão, mas as pessoas não fanáticas logo entenderam o alcance das suas observações, criando mesmo escolas de diálogo crítico. Também na visita pastoral a África, incluindo a Angola, denunciou a falsa solução proposta pelas Organizações Mundiais de Saúde para a epidemia da Sida, a ser feita através de produtos químicos. No fundo, seria um negócio encapotado e a escravização de uma raça inteira. Algo semelhante aconteceu na viagem pastoral e de Estado à Alemanha, chamando a atenção para o menosprezo das raízes cristãs da Europa e para os mecanismos meramente económicos e financeiros que geraram a crise.
4 – O mundo apercebeu-se há muito da oportunidade do seu magistério, e a prova disso é a tradução de muitos dos seus livros, tanto os escritos depois de eleito para Bispo de Roma e Papa como os anteriores. Cito alguns já existentes em vernáculo:
Como professor de teologia: «A Teologia da História de S. Boaventura», tese de agregação do jovem teólogo à universidade de Munique, editada na Alemanha em 1959 e traduzido para português em 2010 para assinalar a sua visita a Portugal; «Introdução ao Cristianismo», de 1968, palestras sobre o Credo, proferidas na Universidade de Tubinga, depois do Concílio, e vertido para português em 2010; «Sal da Terra», de 1966, entrevista dada ao jornalista Peter Seewald, vertido para português.
Como Prefeito da Doutrina da Fé (de 1981 a abril de 2005): «Diálogo sobre e Fé», entrevista dada a Vítor Messori, traduzida pela Verbo, 1985; «Deus e o Mundo», entrevista a Peter Seewald em2000, traduzida em 2006; «Fé, Verdade e Tolerância», coletânea de estudos, vertida para português em 2005.
Como Papa (desde abril de 2005): Três encíclicas – «Deus é amor», «Salvos na Esperança», «A Verdade na Caridade»; «Luz do Mundo», de 2010, entrevista a Peter Seewald; «Jesus de Nazaré», estudo exegético em dois volumes: I vol: «do Batismo à Transfiguração» (ou a vida pública), escrito de 2003 a 2007; II vol: «da Entrada em Jerusalém até à Páscoa» (ou o mistério pascal), 2011. Há a promessa de um III volume sobre os Evangelhos da Infância.
Há ainda edições várias constituídas por antologias de artigos, discursos, e homilias. Tratando-se sempre de reflexão teológica e especializada, o movimento editorial é sinal de que há leitores.
5 No interior da Igreja, Bento XVI encontrou questões delicadas como a desorientação sexual de muitos padres, vinda de longe. Na orientação pastoral e doutrinária vai claramente à raiz dos problemas, frequentemente situados naquela área que os teólogos definem como teologia fundamental: as fronteiras da razão e da fé, da ciência positiva e da metafísica, da natureza e da revelação, da ideologia e da história, da disciplina e da liberdade, da reflexão e da piedade. É aí que residem os problemas da cultura moderna.
Acerca dos 50 anos do Concílio, escreveu na carta «A porta da fé» que os textos do Concílio Vaticano II, que fazem parte do magistério da Igreja, devem ser lidos numa hermenêutica de continuidade com a Tradição da Igreja, e não de rutura, como se tem tentado por vezes. É uma advertência significativa.
Que a Providência o mantenha connosco, lúcido e corajoso.