No encontro com os Bispos estavam todos presentes, efectivos e eméritos; o encontro com o Clero foi heterogéneo e o número de Padres diluiu-se na multidão. No primeiro, fez a saudação o Presidente da Conferência Episcopal, D Jorge Ortiga; no segundo, D. António Francisco dos Santos, Presidente da Comissão do Clero e Ministérios.
Fixemo-nos hoje no encontro com os Bispos.
2 – Na sua saudação, o Presidente da Conferência desenhou o roteiro da formação do Portugal cristão, afirmando que o teocentrismo cristão marcou-nos desde o início, acompanhou-nos nas descobertas e veio até à modernidade. Entretanto, chegaram os «factores de perturbação», e vivemos hoje imersos «na modernidade líquida» onde as referências cristãs começam a liquefazer-se, fruto de uma campanha que nos quer situar no mundo dos retrógrados e propõe modelos comuns a outras mentalidades e apresentados como progressistas».
Os leitores habituais desta página já conhecerão o significado da «modernidade líquida» ou «cultura dos líquidos», de que aqui se falou recentemente. Também perceberão melhor a referência do Papa aos agentes da Cultura no Centro Cultural de Belém ao afirmar que «uma cultura que rompe com o passado de um povo e se fixa no presente desfaz a memória desse povo» e este não saberá orientar-se por não saber donde vem nem para onde vai».
3 – No seu discurso aos Bispos, o Papa começou por repetir que vem a Portugal cedendo a muitos «convites» que recebeu» e «movido por uma dívida de gratidão à Virgem Maria que aqui comunicara aos videntes e aos fiéis um intenso amor ao Santo Padre, cuja missão inclui o mistério da cruz». A visita do Papa não é, portanto, uma visita protocolar como a dos chefes de Estado e de Governo, mas uma viagem religiosa. O povo português, não sabendo teologia formal, tem a intuição do papel do Papa na Igreja, sente que ele faz parte da sua fé, e essa convicção esteve na base da movimentação do povo. Bom será que, ao rezar a anáfora da Missa, isso se torne consciente.
No seu discurso, Bento XVI tem subjacente a estrutura «colegial» da hierarquia da Igreja, isto é, o Papa é um bispo entre bispos, une-os uma relação fraterna, e, ao mesmo tempo, é um bispo «acima» dos bispos diocesanos, é a cabeça do colégio episcopal a quem todos os cristãos obedecem. Está aí a raiz da solidez do ministério dos Bispos.
Recomendou quatro coisas que são os pilares da tal sociedade ameaçada pela «modernidade líquida»: a formação de «um laicado amadurecido», uma pregação vigorosa e vida espiritual, a atenção aos padres, e a educação dos novos movimentos no interior da Igreja.
O leigo amadurecido é o leigo «identificado com a Igreja e solidário com a complexa transformação do mundo». Repare-se no binómio com que define o leigo cristão: identificado com a Igreja e solidário com o mundo. O primeiro é o que se chama «eclesialidade», vinculado à Igreja pelo baptismo e pela prática de piedade; o segundo é a «secularidade», a presença activa nas coisas do mundo, pessoa fora da sacristia. A ameaça actual que paira sobre o leigo, diz o Papa, são os «crentes envergonhados», ou porque não participam na vida de piedade ou porque no mundo escondem a sua marca cristã, «sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo: políticos, intelectuais e comunicação social».
Fuga aos sacramentos e à oração, vergonha da fé e timidez na acção perante o ambiente de secularismo, eis a doença tipicamente portuguesa, disfarçada por uma linguagem nova: católico não praticante, católico cultural, católico tolerante, católico progressista, sal que perdeu a força, fermento que não irradia.
4 – Para a vida pessoal do Bispo, o Santo Padre recomendou depois o «profetismo» vigoroso e actual, a proclamação da Palavra «sem mordaças», a clareza da doutrina e, simultaneamente, vida de ascese e de piedade pessoal que permita ao bispo ser «mestre e testemunha» ao mesmo tempo.
Recomendou ainda uma atenção aos padres e proximidade junto deles, frequentemente carecidos e desorientados no mundo actual, sobretudo por uma falsa compaixão que apela ao nivelamento por baixo.
Finalmente a «aceitação» e a «educação» dos «novos movimentos e novas comunidades que surgem na Igreja. Esses grupos são vários e destaco os Focolaris, os Neocatecumenais, os Carismáticos de várias orientações, a Comunhão e Libertação, o Opus Dei, e num plano diferente, os Cursos de Cristandade e movimentos afins. São todos portadores de carismas especiais, sinais da acção do Espírito Santo no interior da Igreja. As tentações deles são o protagonismo individualista que leva à excentricidade, ao afastamento da vida da diocese, e ao absolutismo dos seus métodos. É necessário desenvolver neles o espírito diocesano, o enquadramento e a fraternidade com os outros movimentos, a união à hierarquia, a aceitação das estruturas oficiais: paróquias e dioceses. Da parte dos bispos e dos movimentos tradicionais, o Papa propõe o reconhecimento do carisma desses novos movimentos, portadores de uma certa ousadia e encanto que rompe com rotinas e tradições monótonas. Nenhum movimento nem sequer Congregação religiosa tem garantia de perenidade: muitos envelhecem com o tempo e deixaram de ter interesse. Mas é aos Bispos que compete discernir da sua actuação na diocese.
Os quatro pontos referidos pelo Papa são muito realistas. Nas terras tradicionalmente cristãs a grande tentação dos fiéis (leigos e padres) é ficarem dentro da Igreja, nas celebrações litúrgicas; a tentação dos fiéis recentemente chegados à fé é o empenho no mundo sem recurso à oração e aos sacramentos; a tentação dos políticos, intelectuais e meios de comunicação social é colocarem-se à margem de tudo, nem uma coisa nem outra.
A educação para a conjugação daquele binómio é longa e exigente, e os leigos que desejam ser simpáticos com os pastores disponham-se a caminhar por essa estrada.