O estatuto social da mulher conheceu ao longo dos séculos as mais variadas situações, podendo agrupar-se em três os tipos dominantes: o matriarcado em que a mulher é rainha, o patriarcado em que é pura serva do homem, e o regime misto onde o seu estatuto varia muito. Ainda hoje o estatuto da mulher é muito díspare na sociedade africana e asiática, na América latina e na Europa. De um modo geral, a sociedade oscila entre a liberdade e a protecção, sendo muito instável o equilíbrio entre os dois valores: quando restringe à mulher a liberdade concede-lhe maior protecção, e quando concede a liberdade deixa-a desprotegida. Entre nós e nos chamados países desenvolvidos, a mulher luta pela liberdade total e a vai conseguindo, mas tende a perder a protecção.
No cristianismo a mulher recebeu deste o início o estatuto de pessoa humana, igual ao homem, ainda que esse fermento original tenha precisado de séculos para vencer as resistências culturais e amadurecer. Tal fermento cristão está patente nos gestos de Jesus em relação ás mulheres do seu tempo, e o conhecimento do lugar da mulher na cultura semita anterior permite conhecer melhor a novidade dos gestos de Jesus. O Concílio reconhece, porém, que, mesmo no interior da Igreja, a mulher deve ocupar uma parte mais activa no apostolado organizado (Apostolado dos Leigos, 9).
2 – Convém lembrar que reconhecer à mulher o estatuto de pessoa humana igual ao homem não é a mesma coisa que afirmar um igualitarismo biológico e psíquico. As línguas bíblicas têm palavras diferentes para falar da mulher como «pessoa humana» igual ao homem, e como «realidade feminina» distinta de homem «realidade masculina» Sendo pessoa humana como o homem, a mulher é profundamente diferente de homem como realidade masculina, sem que essa diferença a torne inferior nem superior. Reside aqui – na recta compreensão da igualdade jurídica e da diferença psicológica – o eterno problema social, político, cultural e religioso da mulher. Uns fixam-se tanto na igualdade que confundem a igualdade jurídica com igualdade psicológica e biológica, acabando por desprezar a personalidade da mulher; outros põem a tónica na diferença e acabam por confundir diferença psicológica e biológica com diferença jurídica. Ainda recentemente isso aconteceu na discussão da legislação sobre o casamento incluindo a igualdade biológica na igualdade jurídica. A doutrina da Igreja procura afirmar simultaneamente os dois aspectos: a igualdade jurídica e canónica e a diferença biológica e psíquica, e a igualdade e diferença é que devem ditar o seu estatuto e vocação.
Para ajuizar da importância e especificidade da mulher, basta referir que não há sector da vida onde ela não apareça mas sempre à sua maneira. Aparece na origem da vida humana e em todo o seu percurso, nas tarefas da educação, na economia doméstica e governo da casa, nas actividades que envolvem crianças e velhos, nas tarefas que incluem paciência e análise do pormenor das coisas concretas, na compaixão pelos infelizes e doentes. A mulher também é capaz de exercer actividades guerreiras e militares, administrar a justiça, conduzir máquinas e exercer tarefas pesadas e empresariais, mas temos de reconhecer que, nesses sectores, age por excepção e com grande desgaste de si mesma. Conhecemos na história bíblica a juíza Débora e a guerrilheira Judite contra Holofernes; na história de Portugal, a padeira da Aljubarrota, Deuladeu Martins e D. Luísa de Gusmão; e na história da cultura há as Valquírias, a Helena de Tróia, a Aida de Verdi, a Laura de Petrarca e a Beatriz de Dante. Mas esses heroísmos são actos momentâneos e mitos criados pelos artistas, a excepção; a regra são as Penélopes que cuidam do amor conjugal, as mulheres fortes do livro dos Provérbios, as D. Filipas de Lencastre e de Vilhena, as mães das Ínclitas gerações e que preparam na discrição os filhos para servirem. Dir-se-á que a mulher dá-se melhor com as tarefas onde o rosto humano está presente: mexe-se melhor num restaurante familiar que num hotel de multidões anónimas, é mais feliz numa empresa de análises que num empreendimento mineiro, é mais eficaz numa enfermaria de combate que no campo de batalha, é mais alegre numa cantina de escola que no restauro do telhado. É pela mesma razão que a mulher é muito sensível aos actos de devoção religiosa, actos profundamente humanos, vitais e personalizados, mas, na mesma área religiosa, não terá igual capacidade no governo das estruturas e mecanismos religiosos.
O nosso tempo é dado a um igualitarismo genérico (jurídico, economicista e político), mas pouco atento à antropologia e até esquecido do mistério da vida. Mais: é profundamente individualista e hedonista. Nesse ambiente uniformizante e simplificador, a mulher tem de saber entender-se a si própria e jogar o seu papel, não vá a isca da liberdade retirar-lhe a sua grandeza discreta e torná-la uma rainha escravizada ou escrava entronizada.