Terça-feira, 10 de Dezembro de 2024
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Dia da Mulher, um desafio cultural

1 – A Sociedade inventou dias para tudo, e por este andar não haverá em cada ano dias que cheguem para tantas efemérides. Algumas dessas celebrações pretendem prolongar acontecimentos históricos, outras acautelar vícios e desvios sociais, e outras antecipar sonhos e aspirações sociais. O «dia da mulher», que se celebra no princípio de Março, anda envolto num certo feminismo, de modo que, ao mesmo tempo que promove os legítimos direitos da mulher, estende sobre eles uma áurea de fantasia. De qualquer modo, a ascensão da mulher é, ao lado da ascensão das classes trabalhadoras e da independência dos povos, um dos três fenómenos sociais incluídos pelo Papa João XXIII, já em 1963, na categoria de «sinais dos tempos» (Encíclica Pacem in terris ), ou seja, fenómenos a ter em conta na vida pastoral.

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O estatuto social da mulher conheceu ao longo dos séculos as mais variadas situações, podendo agrupar-se em três os tipos dominantes: o matriarcado em que a mulher é rainha, o patriarcado em que é pura serva do homem, e o regime misto onde o seu estatuto varia muito. Ainda hoje o estatuto da mulher é muito díspare na sociedade africana e asiática, na América latina e na Europa. De um modo geral, a sociedade oscila entre a liberdade e a protecção, sendo muito instável o equilíbrio entre os dois valores: quando restringe à mulher a liberdade concede-lhe maior protecção, e quando concede a liberdade deixa-a desprotegida. Entre nós e nos chamados países desenvolvidos, a mulher luta pela liberdade total e a vai conseguindo, mas tende a perder a protecção.

No cristianismo a mulher recebeu deste o início o estatuto de pessoa humana, igual ao homem, ainda que esse fermento original tenha precisado de séculos para vencer as resistências culturais e amadurecer. Tal fermento cristão está patente nos gestos de Jesus em relação ás mulheres do seu tempo, e o conhecimento do lugar da mulher na cultura semita anterior permite conhecer melhor a novidade dos gestos de Jesus. O Concílio reconhece, porém, que, mesmo no interior da Igreja, a mulher deve ocupar uma parte mais activa no apostolado organizado (Apostolado dos Leigos, 9).

2 – Convém lembrar que reconhecer à mulher o estatuto de pessoa humana igual ao homem não é a mesma coisa que afirmar um igualitarismo biológico e psíquico. As línguas bíblicas têm palavras diferentes para falar da mulher como «pessoa humana» igual ao homem, e como «realidade feminina» distinta de homem «realidade masculina» Sendo pessoa humana como o homem, a mulher é profundamente diferente de homem como realidade masculina, sem que essa diferença a torne inferior nem superior. Reside aqui – na recta compreensão da igualdade jurídica e da diferença psicológica – o eterno problema social, político, cultural e religioso da mulher. Uns fixam-se tanto na igualdade que confundem a igualdade jurídica com igualdade psicológica e biológica, acabando por desprezar a personalidade da mulher; outros põem a tónica na diferença e acabam por confundir diferença psicológica e biológica com diferença jurídica. Ainda recentemente isso aconteceu na discussão da legislação sobre o casamento incluindo a igualdade biológica na igualdade jurídica. A doutrina da Igreja procura afirmar simultaneamente os dois aspectos: a igualdade jurídica e canónica e a diferença biológica e psíquica, e a igualdade e diferença é que devem ditar o seu estatuto e vocação.

Para ajuizar da importância e especificidade da mulher, basta referir que não há sector da vida onde ela não apareça mas sempre à sua maneira. Aparece na origem da vida humana e em todo o seu percurso, nas tarefas da educação, na economia doméstica e governo da casa, nas actividades que envolvem crianças e velhos, nas tarefas que incluem paciência e análise do pormenor das coisas concretas, na compaixão pelos infelizes e doentes. A mulher também é capaz de exercer actividades guerreiras e militares, administrar a justiça, conduzir máquinas e exercer tarefas pesadas e empresariais, mas temos de reconhecer que, nesses sectores, age por excepção e com grande desgaste de si mesma. Conhecemos na história bíblica a juíza Débora e a guerrilheira Judite contra Holofernes; na história de Portugal, a padeira da Aljubarrota, Deuladeu Martins e D. Luísa de Gusmão; e na história da cultura há as Valquírias, a Helena de Tróia, a Aida de Verdi, a Laura de Petrarca e a Beatriz de Dante. Mas esses heroísmos são actos momentâneos e mitos criados pelos artistas, a excepção; a regra são as Penélopes que cuidam do amor conjugal, as mulheres fortes do livro dos Provérbios, as D. Filipas de Lencastre e de Vilhena, as mães das Ínclitas gerações e que preparam na discrição os filhos para servirem. Dir-se-á que a mulher dá-se melhor com as tarefas onde o rosto humano está presente: mexe-se melhor num restaurante familiar que num hotel de multidões anónimas, é mais feliz numa empresa de análises que num empreendimento mineiro, é mais eficaz numa enfermaria de combate que no campo de batalha, é mais alegre numa cantina de escola que no restauro do telhado. É pela mesma razão que a mulher é muito sensível aos actos de devoção religiosa, actos profundamente humanos, vitais e personalizados, mas, na mesma área religiosa, não terá igual capacidade no governo das estruturas e mecanismos religiosos.

O nosso tempo é dado a um igualitarismo genérico (jurídico, economicista e político), mas pouco atento à antropologia e até esquecido do mistério da vida. Mais: é profundamente individualista e hedonista. Nesse ambiente uniformizante e simplificador, a mulher tem de saber entender-se a si própria e jogar o seu papel, não vá a isca da liberdade retirar-lhe a sua grandeza discreta e torná-la uma rainha escravizada ou escrava entronizada.

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