Sábado, 14 de Dezembro de 2024
No menu items!

É legítimo trabalhar na irradiação da fé?

1 – No próximo Domingo a Igreja celebra o chamado «Domingo missionário», o Domingo que lembra aos católicos o dever de evangelizar os que ainda não conhecem a pessoa e o Evangelho de Jesus Cristo. (Os espanhóis designam este Domingo por «Domund», Domingo Mundial).

-PUB-

O Concílio II do Vaticano dedica a esse tema um documento chamado «Ad Gentes», um decreto sobre a evangelização dos gentios, aqueles que ainda não estão baptizados ou que ainda não são suficientemente fortes e numerosos para se organizarem e bastarem a si mesmos, necessitando por isso do apoio de pessoas e bens levados de outras comunidades.

2 – É sabido que a história regista a evangelização dos povos africanos, brasileiros e asiáticos (Índia e Japão), como uma das marcas gloriosas da presença de Portugal no mundo, um tema indissoluvelmente ligado aos descobrimentos do séc.XVI e recordado em horas solenes, como fez o Papa Bento XVI em Lisboa durante a visita em Maio passado.

Mesmo que tenha havido interesses económicos e políticos pelo meio, a verdade é que houve autêntica evangelização nas terras por onde andámos, de que restam ainda sinais visíveis: palavras, hábitos, nomes de pessoas, igrejas e calendário cristão. As famílias transmontanas contribuíram para essa evangelização com muitos filhos e filhas, integrados nas Ordens missionárias. A diocese de Vila Real ainda há quinze anos tinha trinta e oito missionários (homens e mulheres) a trabalhar em terras «ad gentes».

3 – Esta dinâmica missionária arrefeceu um pedaço nos últimos tempos. Sobre isso os Bispos portugueses publicaram recentemente um documento insistindo na necessidade de dar maior vigor a esta dimensão da fé católica. Dizem mesmo que «os gentios» já se encontram em Portugal, isto é, o número das pessoas não baptizadas e alheios à Igreja, carecidas do primeiro trabalho de evangelização, moram a nosso lado, no mesmo prédio, a frequentar a mesma escola, sócios da mesma empresa e colegas do mesmo gabinete e do mesmo clube desportivo! Há anos a França ficou surpreendida quando lhe chamaram «país de missão»; actualmente, outras velhas nações cristãs da Europa vêm a ser incluídas nesse grupo.

Que aconteceu? À força de verem silenciadas em casa e nas escolas as raízes cristãs, as novas gerações esqueceram-nas, e esse esquecimento cultural foi precedido pela quebra da piedade dos pais. Deste modo, os novos pagãos europeus não são pessoas que nunca ouviram falar da mensagem cristã como os «pré cristãos» do sertão, mas são pagãos nascidos em terras cristãs, oriundas de pais ou familiares cristãos, e que, apesar de tudo, não são cristãos. São pagãos «pós-cristãos», isto é, pessoas que, vivendo em cultura e ambiente cristãos, não se deixaram molhar nem lavar por essa água.

Isto constitui uma nova dificuldade na sua evangelização, e por isso o Santo Padre criou recentemente no Vaticano uma nova estrutura pastoral para auxiliar nessa «nova evangelização».

4 – Em alguns desses novos pagãos há preguiça mental e desorientação moral, comodismo doentio, mas noutros há desorientação cultural e opções por outros projectos de vida que julgam mais evoluídas que o Evangelho de Jesus Cristo.

Um daqueles desvios é dizer que a verdade e a certeza geram conflitos, guerras religiosas, fanatismo, e isso acontecerá com o cristianismo e o islamismo, religiões portadoras de certezas. Este tema é badalado por políticos e homens de cultura, membros de grupos e clubes filantrópicos defensores da tolerância como panaceia da paz.

Uma tal atitude seria a defesa do cepticismo como mais benéfica que a verdade, e do relativismo como mais útil que a certeza, coisa que ninguém aceita, pois equivaleria à negação de toda a investigação científica. O grande travão ao fanatismo não está na defesa da dúvida, mas na proclamação da caridade aliada à verdade: quanto mais for o amor ao próximo mais condescendência existe para com os erros, a ignorância, as falhas de quem quer que seja, sem com isso afectar a busca da verdade e da certeza como motores indispensáveis ao dinamismo da pessoa humana.

5 – Outro exemplo concreto dos novos obstáculos à evangelização é o entendimento que a consciência individual e a cultura de cada povo são direitos fundamentais dos povos, e a irradiação missionária é uma agressão. Entre cristãos distraídos acresce outra afirmação igualmente perturbadora: que todas as religiões sinceramente abraçadas são igualmente salvadoras. Portanto, em nome da paz e da civilização, seria melhor não se empenhar na expansão da fé, não evangelizar, mas deixar que cada um siga o seu caminho, e as religiões devem reduzir a sua acção aos aspectos assistenciais dos povos.

O Santo Padre já há anos se pronunciou sobre esses temas a propósito do diálogo com as religiões orientais anteriores ao cristianismo e também por causa da acusação feita aos missionários cristãos de que, no período das descobertas, teriam agredido desnecessariamente a cultura dos povos nativos.

Em primeiro lugar, isso equivale a dizer que o subjectivo (ainda que incluindo os maiores disparates) é indiscutível e que as culturas são igualmente válidas, atitude que ninguém de bom senso aceitará. De facto, quantos assassinatos de adultos e de crianças, de doentes e de mulheres, quantos genocídios praticados entre esses povos a coberto das culturas locais, das tribos e dos seus ritos religiosos! Naquele aparente respeito pelas culturas locais confunde-se o psicológico com o cultural, faz-se o nivelamento da sinceridade subjectiva com a diferença objectiva, a etnografia com a cultura.

Finalmente, reduz-se a salvação religiosa à ausência de culpabilidade diante de Deus, sem nenhuma referência ao mundo. Ora a noção de «salvação cristã» inclui o empenho intelectual pela verdade, o empenho moral pelo bem-estar social e pela elevação humana do homem, da mulher, do velho, do doente, da criança, e das famílias, e nestas áreas, há que reconhecê-lo, os povos nativos estão muito longe de serem dignos de respeito. Certamente que o trabalho de evangelização e de civilização devem ser levados a cabo com delicadeza, mas isso é outra coisa, refere-se à metodologia.

Perante as culturas antigas e modernas, Jesus Cristo não é supérfluo, não está a mais, mas é rigorosamente o único salvador, aquele que permite viver dignamente no mundo e estabelecer relações sadias com Deus.

A actual desorientação das culturas que boicota o trabalho catequético europeu e evangelizador é alimentada nas escolas pela ausência de uma saudável aula de filosofia e pela ignorância religiosa, e entre os adultos pela ideologia amolecida da tolerância.

Este Domingo das Missões deve, pois, ser vivido como jornada de fé no interior das comunidades cristãs e devia ser estudado nas escolas como tema de reflexão cultural.

 

APOIE O NOSSO TRABALHO. APOIE O JORNALISMO DE PROXIMIDADE.

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo regional e de proximidade. O acesso à maioria das notícias da VTM (ainda) é livre, mas não é gratuito, o jornalismo custa dinheiro e exige investimento. Esta contribuição é uma forma de apoiar de forma direta A Voz de Trás-os-Montes e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente e de proximidade, mas não só. É continuar a informar apesar de todas as contingências do confinamento, sem termos parado um único dia.

Contribua com um donativo!

VÍDEOS

Mais lidas

ÚLTIMAS NOTÍCIAS