Para a escritora algarvia, a democracia foi boa, foi uma grande conquista, mas ainda é muito imperfeita. Ainda falta a muitos portugueses uma índole democrática e um comportamento mais escorreito com a democracia. Diz a escritora: «Não ultrapassámos o medo ancestral que trazemos de sermos pobres. Somos calados. Somos aquilo que o Torga dizia: uma comunidade pacífica de revoltados. Somos revoltados, mas somos pacíficos. Nunca metemos medo a quem nos está defraudando, não metemos medo a quem nos usurpa os nossos bens. É algo que os portugueses ainda não ultrapassaram. A nossa reação cívica é muito lenta e quando acontece que não é lenta, é irónica, já desistimos, há uma ironia e uma melancolia na nossa crítica que não é uma crítica construtiva, é uma crítica de maledicência, que fica pela ironia, pelo humor, passa, mas não tem consequência.» Não será de todos, mas é uma bela radiografia de muitos portugueses, da nossa brandura gozona e maldizente, mas inconsequente.
Para a escritora, «o homem moderno está a regressar ao estado selvagem, está de tal forma envolvido por estímulos diferentes dos quais se tem de proteger e tem de estar permanentemente a reagir para sobreviver, de modo que não tem espaço para a densidade psicológica, para estar consigo próprio, para a introspeção. Não estamos a saber lidar com isso. Hoje o silêncio é um luxo. Para sobreviver hoje, temos de ir atrás da enxurrada de sons e de gestos, uns atrás dos outros, gestos tecnológicos, que nos dizem que são gestos modernos. Mas a grande complicação é esta: estamos envolvidos no mais moderno que há, estamos a avançar, mas esta modernidade é só aparente, é só instrumental, porque a parte psicológica está a regredir. O homem moderno funciona como um selvagem, sobrevivendo permanentemente a estímulos adversos». Bem escrevia aqui há uns anos o filósofo francês, Edgar Morin, que um dos dramas do nosso tempo seria o desequilíbrio entre o nosso desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, que seria rápido e avassalador, e o desenvolvimento humano, social e espiritual da sociedade, que ficaria muito aquém daquele. Não nos faltam sinais que assim o comprovam.