2 – Como é habitual em Bento XVI, até para responder ao clima laicista da cultura actual, o Papa apresenta a natureza como «a expressão de um desígnio de amor e de verdade» da Criação (n.48). «Considerar a natureza e o ser humano como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo debilita a responsabilidade que temos para com os pobres, o futuro e a Humanidade inteira». A natureza tem uma «vocação», servir o homem, escreve o Papa, e é nesse espírito que a Igreja usa o cântico bíblico de Daniel 3,5, fonte do cântico das criaturas de S. Francisco de Assis. A natureza «é o ambiente de vida que precede o homem e está destinada, no fim dos tempos, a ser instaurada em Cristo».
Esta posição do Papa evita fazer da natureza um tabu intocável (tornando-a mais importante que a pessoa humana, conducente a comportamentos pagãos e a novos panteísmos ainda existentes no nosso tempo), ou fazer dela um «monte de lixo espalhado ao acaso», como lhe chamou o filósofo grego Heráclito de Éfeso no séc. VI a.C. A tentação moderna mais generalizada é sujeitar a natureza a uma radical exploração tecnológica para negócio e conforto da geração actual. Essa tentação surgiu no Ocidente como fruto da leitura abusiva do mandato divino de o homem «dominai a terra e sujeitai-a». Diz-se que essa leitura é típica da Reforma protestante, que originou o espírito capitalista e o mundo bárbaro da poluição industrial que informa a política de países que nada têm de cristãos.
3 – Este desrespeito pela natureza ameaça o futuro, e exige da actual geração um grande espírito de solidariedade das gerações: «Os projectos para um desenvolvimento humano integral não podem ignorar os vindouros, mas devem ser animados pela solidariedade e a justiça entre as gerações, tendo em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico, económico, político e social» (n.48).
O Papa faz a aplicação desse princípio da solidariedade às políticas concretas da energia e da água, insistindo na necessidade de poupar energia e água (49-52). Há países que exploram tudo quanto há no solo dos próprios países e no dos povos carecidos de recursos técnicos, consumindo enormes quantidades de água, de minérios, de energias clássicas e até das renováveis, sem preocupação alguma pelo futuro nem verdadeira compensação dos povos explorados. Nem os tornam participantes nos lucros nem os ajudam a produzir, e ainda levantam enormes barreiras fiscais à importação dos seus produtos agrícolas! «Devemos sentir como gravíssimo o dever de entregar a Terra às novas gerações num estado tal que, também elas, possam dignamente habitá-la e continuar a cultivá-la».
Estes grandes princípios de ética social lembradas nos documentos pontifícios não valem só para as questões internacionais e longínquas, mas são um desafio à administração nacional e autárquica. Não poderão aplicar-se, «mutatis mutandis», às nossas aldeias e mini-regiões que vêem levar para longe a riqueza das suas águas, dos seus montes e das suas pedreiras sem qualquer proveito para elas, deixando tudo ao abandono como se fossem crateras de vulcões extintos ou ruínas de guerra fumegantes? Além disso, suportam nos seus campos e nas hortas os animais de caça e bichos selvagens recentemente introduzidos pelas autoridades e, durante a caça, acresce o roubo dos frutos por alguns caçadores legalizados, como se a licença de caça, que em nada beneficia o agricultor, tudo autorizasse. Poderão queixar-se? Sabemos onde isso vai parar.
4 – A concluir este capítulo da encíclica sobre o ambiente e a solidariedade, o Papa introduz um apontamento sobre a ética sexual. «Os deveres que temos para com o ambiente estão ligados com os deveres que temos para com a pessoa considerada em si mesma; não se podem exigir uns e espezinhar os outros». «O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família». «É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. «Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se torna artificial a concepção, a gestação e o nascimento do ser humano, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o sentido o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental».
Esta observação do texto pontifício coloca a questão da sexualidade humana na perspectiva da «ecologia humana» e ajuda a perceber que a posição da Igreja não é um capricho legislativo. A exploração da sexualidade pelos movimentos internacionais do planeamento familiar, agentes da política anti-natalista internacional que mutilam, intoxicam, castram e esterilizam mulheres e homens nos países pobres, é uma forma de poluição e anarquia sexual. Nessa miserável campanha intervêm por vezes médicos que se dizem católicos, mas cuja formação obedece aos mandamentos da Organização Mundial de Saúde e seus tentáculos. É essa política sexual que se respira em Portugal ao limitar «a educação sexual escolar à instrução técnica que tem como única preocupação defender de eventuais contágios ou do «risco» procriador» (n.44), e causando milhares de abortos.
Certamente que a Moral cristã não se identifica com a biologia nem faz dela um tabu, mas não pode esquecê-la. «O ambiente natural é obra admirável do Criador e contém uma «gramática» que indica finalidades e critérios para a sua utilização sábia, nem instrumental nem arbitrária» Evitar-se-iam doenças orgânicas e psíquicas, traumas e frustrações do homem e da mulher, nascidos da violência dessa tecnologia movimentos anti-natalista!
A «ecologia do ambiente, a «ecologia humana» e a «ecologia do amor» caminham a par.
Bispo de Vila Real