Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2024
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Ecologia do ambiente e ecologia humana

1 – Seja nas praias do mar seja nas praias fluviais, no interior das serras ou ao longo do percurso dos rios, em termas famosas ou simples estâncias de turismo, nos campos de ténis ou em modesto campismo –, o Verão revela por toda a parte a sedução que a natureza exerce sobre o homem, dando-lhe um conforto análogo ao da criança no seu berço. Homens e mulheres, crianças e adultos, velhos e doentes, todos procuram na natureza alimento e riqueza, distracção e remédio. Mais: ela regenera o que o homem degrada, desde que o abuso não ultrapasse a medida do homem. Além dos recursos de superfície, como o vento nas velas dos barcos e moinhos e as correntes de água nas azenhas, as técnicas humanas permitem acesso aos recursos mais profundos: o petróleo e os metais, fauna e a flora marítimas. Ultimamente, para a produção de energia eléctrica alternativa, vêm a ser aproveitados os ventos das montanhas, a força das ondas do mar e a luz do sol. Tudo isto revela o vínculo indissolúvel da natureza com o homem, nascendo daí a obrigatoriedade moral do respeito pela natureza e a sua administração em favor dos povos actuais e dos vindouros. Este é um dos temas tratados na encíclica do Papa, «Caridade na Verdade», de modo transversal ao longo do texto e de forma directa no cap. IV.

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2 – Como é habitual em Bento XVI, até para responder ao clima laicista da cultura actual, o Papa apresenta a natureza como «a expressão de um desígnio de amor e de verdade» da Criação (n.48). «Considerar a natureza e o ser humano como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo debilita a responsabilidade que temos para com os pobres, o futuro e a Humanidade inteira». A natureza tem uma «vocação», servir o homem, escreve o Papa, e é nesse espírito que a Igreja usa o cântico bíblico de Daniel 3,5, fonte do cântico das criaturas de S. Francisco de Assis. A natureza «é o ambiente de vida que precede o homem e está destinada, no fim dos tempos, a ser instaurada em Cristo».

Esta posição do Papa evita fazer da natureza um tabu intocável (tornando-a mais importante que a pessoa humana, conducente a comportamentos pagãos e a novos panteísmos ainda existentes no nosso tempo), ou fazer dela um «monte de lixo espalhado ao acaso», como lhe chamou o filósofo grego Heráclito de Éfeso no séc. VI a.C. A tentação moderna mais generalizada é sujeitar a natureza a uma radical exploração tecnológica para negócio e conforto da geração actual. Essa tentação surgiu no Ocidente como fruto da leitura abusiva do mandato divino de o homem «dominai a terra e sujeitai-a». Diz-se que essa leitura é típica da Reforma protestante, que originou o espírito capitalista e o mundo bárbaro da poluição industrial que informa a política de países que nada têm de cristãos.

 

3 – Este desrespeito pela natureza ameaça o futuro, e exige da actual geração um grande espírito de solidariedade das gerações: «Os projectos para um desenvolvimento humano integral não podem ignorar os vindouros, mas devem ser animados pela solidariedade e a justiça entre as gerações, tendo em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico, económico, político e social» (n.48).

O Papa faz a aplicação desse princípio da solidariedade às políticas concretas da energia e da água, insistindo na necessidade de poupar energia e água (49-52). Há países que exploram tudo quanto há no solo dos próprios países e no dos povos carecidos de recursos técnicos, consumindo enormes quantidades de água, de minérios, de energias clássicas e até das renováveis, sem preocupação alguma pelo futuro nem verdadeira compensação dos povos explorados. Nem os tornam participantes nos lucros nem os ajudam a produzir, e ainda levantam enormes barreiras fiscais à importação dos seus produtos agrícolas! «Devemos sentir como gravíssimo o dever de entregar a Terra às novas gerações num estado tal que, também elas, possam dignamente habitá-la e continuar a cultivá-la».

Estes grandes princípios de ética social lembradas nos documentos pontifícios não valem só para as questões internacionais e longínquas, mas são um desafio à administração nacional e autárquica. Não poderão aplicar-se, «mutatis mutandis», às nossas aldeias e mini-regiões que vêem levar para longe a riqueza das suas águas, dos seus montes e das suas pedreiras sem qualquer proveito para elas, deixando tudo ao abandono como se fossem crateras de vulcões extintos ou ruínas de guerra fumegantes? Além disso, suportam nos seus campos e nas hortas os animais de caça e bichos selvagens recentemente introduzidos pelas autoridades e, durante a caça, acresce o roubo dos frutos por alguns caçadores legalizados, como se a licença de caça, que em nada beneficia o agricultor, tudo autorizasse. Poderão queixar-se? Sabemos onde isso vai parar.

 

4 – A concluir este capítulo da encíclica sobre o ambiente e a solidariedade, o Papa introduz um apontamento sobre a ética sexual. «Os deveres que temos para com o ambiente estão ligados com os deveres que temos para com a pessoa considerada em si mesma; não se podem exigir uns e espezinhar os outros». «O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família». «É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. «Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se torna artificial a concepção, a gestação e o nascimento do ser humano, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o sentido o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental».

Esta observação do texto pontifício coloca a questão da sexualidade humana na perspectiva da «ecologia humana» e ajuda a perceber que a posição da Igreja não é um capricho legislativo. A exploração da sexualidade pelos movimentos internacionais do planeamento familiar, agentes da política anti-natalista internacional que mutilam, intoxicam, castram e esterilizam mulheres e homens nos países pobres, é uma forma de poluição e anarquia sexual. Nessa miserável campanha intervêm por vezes médicos que se dizem católicos, mas cuja formação obedece aos mandamentos da Organização Mundial de Saúde e seus tentáculos. É essa política sexual que se respira em Portugal ao limitar «a educação sexual escolar à instrução técnica que tem como única preocupação defender de eventuais contágios ou do «risco» procriador» (n.44), e causando milhares de abortos.

Certamente que a Moral cristã não se identifica com a biologia nem faz dela um tabu, mas não pode esquecê-la. «O ambiente natural é obra admirável do Criador e contém uma «gramática» que indica finalidades e critérios para a sua utilização sábia, nem instrumental nem arbitrária» Evitar-se-iam doenças orgânicas e psíquicas, traumas e frustrações do homem e da mulher, nascidos da violência dessa tecnologia movimentos anti-natalista!

A «ecologia do ambiente, a «ecologia humana» e a «ecologia do amor» caminham a par.

 

Bispo de Vila Real

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