Nos primeiros domingos de Setembro há por toda a parte festas em honra de NªSª, com os mais variados títulos: Senhora da Graça, Senhora da Ajuda, Senhora dos Remédios, Senhora do Viso, Senhora da Almodena, Senhora da Pena. Todas essas festas nascem da festa do dia 8, a festa do Nascimento de Maria. Essa festa da Natividade está colocada logicamente nove meses depois do dia 8 de Dezembro, a festa da Conceição Imaculada.
Aqui festejamos a Senhora com o nome de Senhora da Graça, a Graça é o seu Filho, Jesus Cristo, como cantou o coro: «vamos confiantes ao trono da Graça».
2- Os três textos falam-nos da sabedoria, a sabedoria cristã: o primeiro fala abertamente da sabedora de Deus, o plano eterno da Criação e da Salvação, plano que vamos descobrindo lentamente; o segundo texto dá-nos o exemplo de um comportamento de S. Paulo cheio de sabedoria porque, tendo baptizado na prisão um escravo, Onésimo, fugido ao seu dono, Filémon, Paulo reenvia-o com o pedido de um tratamento cristão, conjugando assim o direito do tempo e a misericórdia; o Evangelho explica que a sabedoria cristã consiste em seguir a Jesus até à cruz.
Este texto evangélico vem na sequência dos textos dos Domingos anteriores sobre a «porta estreita» e a «humildade do convidado» para a boda que deve deixar o 1º lugar para o noivo que é Jesus. Hoje aparece a parábola do «construtor de uma torre» e do «guerreiro» que devem calcular bem o que vão fazer e onde se vão meter.
Os três textos sobre o seguidor de Jesus completam-se. Foram proferidos por Jesus que «ia para Jerusalém», isto é, que ia subir ao Calvário. O cristão é esse seguidor de Jesus crucificado, uma religião exigente que requer lucidez, humildade e coragem.
3- Sabedoria não é a mesma coisa que ter conhecimentos: estes são da ordem intelectual, da ordem do saber científico; a sabedoria é da ordem da conduta e implica o equilíbrio dos afectos em ordem a uma decisão.
Concretizemos um pouco melhor:
O Senhor fala-nos dos afectos que nos prendem e desorientam. Nós afeiçoamo–nos a tudo: aos pais, aos irmãos, aos familiares, à casa, aos animais, à paisagem, ao nosso clube, ao nosso partido, aos vizinhos. Todos eles são amores legítimos, e podem conduzir à santidade. O problema surge quando eles se chocam, quando parecem opor-se uns aos outros, quando é preciso escolher. Jesus é a luz e critério de escolha, e disse um dia que veio trazer a guerra.
Um filho casado que fosse mais amigo da sua mãe do que da esposa, teria um amor desordenado; uma mãe demasiado apegada ao seu filho, risco frequente quando é filho único, pode impedir a vocação sacerdotal do filho e impedir ou destruir o seu casamento; a pessoa que, por amor a um parente ofendido, procura a vingança, está desordenada; o afecto ao partido que impede de ver os disparates do mesmo, é desordenado; um homem que, pela amizade a um amigo, mente ou jura falso no tribunal, tem uma amizade doentia; um casal que, por medo das dores de cabeça, não quer filhos ou se limita ao mínimo, não vive um amor cristão; um pároco que, por amor da sua paz, deixa correr tudo, não é padre católico.
Ora no tempo de Jesus, acontecia algo semelhante: os laços de sangue e da raça e da classe eram colocados acima de tudo. Jesus colocou a obediência ao plano do Pai acima dos costumes, da política, dos interesses imediatos, e ensina que este trabalho de hierarquizar valores requer coragem, lucidez, por vezes sofrimento: constitui uma cruz.
4- Esta necessidade de hierarquizar os afectos, os comportamentos e o uso das coisas, é hoje de uma actualidade incontornável.
Diz-se que hoje não há valores. Não é bem assim: valores há, o que não há é verdadeira hierarquia de valores. Retirando Deus da vida, tudo fica baralhado: não há valores absolutos e valores relativos, valores maiores e valores menores, valores a colocar acima de outros, e valores a colocar em plano secundário. Acontece como numa pauta musical: o valor das notas aí escritas depende da clave colocada no princípio; sem ela, tudo é ilegível. É esse o espectáculo da sociedade actual. Vale tudo: beber, vadiar, aventuras afectivas, casamentos para todos os gostos e a prazo.
Tem de fazer-se a educação dos afectos e a lucidez para isso vem da acção do Espírito Santo: «dá-nos Senhor a graça de saber «apreciar» todas as coisas, saber medir o seu «preço», saber o que «valem».
A essa sabedoria se referiu o Papa na sua viagem a Portugal, ao lembrar que a vida cristã implica uma missão e uma sabedoria.
5- Tiremos algumas orientações práticas: no meio da abundância de coisas, de passatempos, aos Domingos e à semana, na vida de família e na vida política, no meio de todo o tipo de relações afectivas, de vários tipos de casamentos, o cristão tem de ser capaz de optar por Jesus Cristo e pelo que a Igreja ensina, claramente, corajosamente. Não basta dizer que o mundo é pluricultural, que é um muno diferenças, que é um mundo de opiniões. O sociólogo fica-se no estudo das diferenças, o homem cristão faz uma opção entre essas diferenças porque sabe que isto é bom e aquilo é mau, que isto é cristão e aquilo não é, e, como tal, será rejeitado, mas, tanto quanto dele dependa, deve propor essa opção aos outros.
Do alto deste monte, o monte farinha, semelhante àquele monte que o moinho vai construindo com peso e medida, tudo nos parece bem ordenado em redor: as pedras e as árvores, os rios e as casas, o sol e a terra. Só o homem é capaz de tudo baralhar como acontece nos incêndios.
Brevemente vão recomeçar as aulas, as catequeses, e as acções de formação complementar nos ginásios, nas aulas de música, no ballet, as saídas à noite. É indispensável que pais e filhos, educadores e alunos, saibam hierarquizar esse monte de coisas: há horas de estar na igreja, há horas de ir à catequese, há horas de estar no quarto a estudar, há horas de ir à Missa, há horas de rezar.
Foi essa sabedoria que Jesus pediu também a Nossa Senhora na Anunciação, na Apresentação de Jesus no templo aos 40 dias, na ida com Jesus ao templo aos 12 anos, e junto da cruz: Jesus fez de sua Mãe sua «discípula», sua seguidora: «não sabeis que devo estar na casa de meu Pai, isto é, não sabeis que devo dar prioridade ao plano do Pai?
Que a Senhora da Graça nos ajude a ver bem as coisas, para que a vida tenha graça, seja uma vida engraçada.