Com a chegada do outono, todos nós morremos um pouco porque ao nosso lado alguém sofre pela dor da solidão… Há melancolias nos olhares da natureza. Há forças que se perdem. Há esperanças que se esvanecem. Há sonhos que não têm história, deambulações estranhas que atormentam os seres que vivem num poço profundo da depressão…
Antigamente havia caminhos húmidos e assustadores nas aldeias transmontanas. Havia cruzes das alminhas e capelinhas aninhadas no cimo dos montes que pareciam alumiar os seres que nunca deixavam de acreditar num futuro e na esperança de um dia morrerem na paz do Senhor. Deus era a vida e a luz. Era a salvação. Rezar a Deus e aos santos constituía uma espécie de milagre porque através desse preceito a morte não assustava, antes, era encarada como algo natural e as pessoas preparavam-se para chegarem até ela. A esperança, essa nunca morria. Morrer com a presença de um padre em oração era a garantia quase da salvação eterna.
Os pobres mendigos surgiam um pouco por todos os lados, silhuetas de gente, vultos andrajosos, exangues sorrindo para esquecerem apetites devoradores do corpo perante a fatalidade da miséria dos tempos!
Os trabalhadores de Mateus, como sempre madrugavam… Em breve seria Natal. Acreditava-se mais no sentido da vida. Ganhava-se o espírito de dezembro que afagava os pensamentos derramando pelos campos as vagas claridades do dia. E o chão, antes florido, parecia lugar de santidade e mistério. E as orações tinham mais significado e força porque o tempo era devocional e afetivo. As orações eram canções onde através delas as pessoas se irmanavam no mesmo espírito.
Lembro num outono distante uma fogueira, onde as castanhas rebentavam de contentamento, reforçadas com um mata-bicho emborcado nas mercearias da aldeia…o acompanhamento fazia-se com a tradicional côdea de pão de milho acompanhada às vezes por rodelas de chouriço ou nacos de toucinho cortados religiosamente por um velho canivete. No entanto ele era objeto de grande utilidade e apreço. Quem o fazia ostentava-se na vaidade, quando subia ao nível da cabeça o instrumento cortante no momento em que o isco era rasgado…
Na manhã dos defuntos, era este o ritual que marcava a vida da comunidade de Mateus. Do meu quarto, olhava as névoas, as árvores e os pássaros… E as folhas miríades de outono quase cegavam de deslumbramento espiritual… E as orações faziam mais sentido, inspiradas na beleza das cores que faziam mergulhar em saudações piedosas qualquer ser passante. Sobre as roseiras em flores, as tardes de outono caíam lentamente e as luzes do ocaso iluminavam as últimas plantas junto às casas, jardins e ruas… e toda a natureza se purificava e remetia ao silêncio como que lembrando às pessoas que o tempo era de reflexão, oração, solidariedade e perdão.
Os campos já sabiam a dezembro à espera do nascimento de Cristo Redentor…
O fascínio do outono continua a ser o do recolhimento consentido. Podemos ficar em casa aos fins de semana e não sair à noite, sem que ninguém ache isso excessivamente estranho. É provável que não se tenha ainda inventado cama mais confortável para adormecer que a habitual numa noite tormentosa num mês de outono. O outono também é tempo de mantas e felicidades domésticas. Tempo de chegarmos mais depressa à razão pelo poder da época contemplativa. E os namorados oferecem palavras adornadas de romantismo e espiritualidade onde tudo é quase dito apenas com um singelo olhar de ternura.
É quase Inverno e os estorninhos estonteados puxam a azeitona às oliveiras e estas deixam-se enfeitiçar nas suas bicadas.
Está perto o Natal e já nos pensamentos nascem as grandes construções imaginárias de sonhos bonitos que nos afagam e sustentam.
Tudo o que existe tem uma beleza própria. Para a percebermos temos que parar, observar e sentir a natureza que fala connosco permanentemente… o brilho, as cores, as brisas, os odores aconchegantes são dádivas da essência divina para nós e que tantas vezes ignoramos de forma tão cruel e injusta…