Desativada há cerca de 60 anos, é agora um espaço que une a natureza e a arte.
Era ali que entre a década de 40 e 70 se transformava o calcário proveniente de uma pedreira de Mondim de Basto em cal, usada como fertilizante nas terras do Douro. A fábrica acabou por falir e fechar portas, ficando ao abandono.
Agora, pelas mãos de Fernando Pereira, a antiga fábrica, localizada junto à Estrada Nacional 304, e que pertenceu ao seu avô, a Empresa da Cal ganhou, há um ano, uma nova vida, assente em quatro pilares: amor, poesia, arte e natureza.
“Eu diria que este parque se transformou num espaço dedicado às famílias”
FERNANDO PEREIRA
PROPRIETÁRIO
“Eu sou empresário, tenho uma empresa que se chama Viver – Jardins Urbanos, que executa obras de espaços verdes e engenharia natural por todo o país, há vários anos. É fruto desse trabalho que consegui construir um sonho que tinha desde criança, que era construir este espaço, a Empresa da Cal”, conta Fernando Pereira.
Quem aqui chega encontra vários jardins que fazem homenagem aos grandes amores da sua vida. “Este é, no fundo, um parque temático. É uma biografia sobre a minha vida e sobre os amores da minha vida que são o meu pai, a minha mãe, a Campeã e a minha filha”.
Percorrer o parque é dar de caras com referências ao pai Albano, ao avô Evaristo, à mãe Maria Fernanda e à filha Gabriela. Para já, o espaço tem os jardins “Primavera”, “Leoparda”, “Sou Feliz Porque te Amo”, “Vermelho e Branco” e “Evaristo”. Em setembro, será inaugurado o jardim “Gabriela” e no próximo ano estará pronto o “Meu Pai” que “é o meu grande projeto”, indica Fernando Pereira.
“A motivação principal e inicial do parque surgiu da simbiose entre o amor que tenho pelo meu pai e o sofrimento que sentia pelo seu falecimento. O meu pai era poeta. A forma como eu vivi o luto por ele foi sempre uma coisa muito bonita, intensa, profunda e mexeu sempre comigo”, frisa.
ESCULTURAS
Percorrer o parque da Empresa da Cal é visitar uma galeria a céu aberto, tendo em conta que são várias as obras de arte espalhadas pelo espaço.
“São esculturas todas elas encomendadas a artistas, na sua maioria, transmontanos. Eu dou a ideia e eles fazem o seu trabalho, mas são obras de arte feitas à imagem da Empresa da Cal”, salienta Fernando Pereira.
E é com a sua ajuda que percebemos a história de algumas das peças expostas no parque, começando pelos pés gigantes, mesmo à entrada. São da autoria do artista João Sá, de Esposende, e “significam que todo o percurso que eu faço na minha vida é para morrer aqui. Se repararem, os pés estão na posição de descanso e não de caminhar, porque caminhar, caminho fora daqui”, diz-nos. Ali ao lado, do mesmo artista, está uma estátua de homenagem “ao meu avô, fundador da Empresa da Cal”.
Uns metros acima está “a rainha do parque, a minha mãe. É uma obra de Paulo Moura, de Carrazeda de Ansiães, que simboliza todas as mulheres da segunda metade do século XX da Campeã, que tiveram muitos filhos e os criaram na terra. No meu caso, somos seis irmãos”, explica, emocionado. Antes, é possível ver a obra de arte Jardim Vermelho e Branco, uma parceria entre Óscar Rodrigues e Nuno Castelo.
Seguimos caminho e damos de caras com outra obra de João Sá. “Lobo é o meu nome artístico e porquê? Porque quando era miúdo fugia de casa e ia para a floresta sozinho, sem medo. Daí este lobo, que é também um animal característico da serra do Marão”.
Num dos pontos mais altos do parque, com vista para a serra, Óscar Rodrigues, artista que esculpiu a cara de Miguel Torga na raiz de um negrilho, em Sabrosa, usou a motosserra para transformar o tronco de uma árvore no “Banco do Rei do amor”. “Esta obra foi feita aqui no parque e simboliza a proteção no amor. Neste caso, o artista escolheu uma mão masculina para proteger a mulher, mas podia ser outra forma qualquer”.
Subimos mais um pouco e chegamos ao jardim “Primavera”. Dá-nos as boas-vindas a “Borboleta bailarina”, da autoria de António Miguel, de Alcantarilha (Algarve), que “simboliza a beleza feminina, principalmente quando dança”.
Terminamos a nossa visita guiada junto à mesa “Fausto mais um copo”, da autoria de Nuno Castelo, dedicada “a todos os meus tios, à democracia e ao 25 de Abril”. Segundo Fernando Pereira, “era nesta tasca que se discutia política no pós-25 de Abril na Campeã e onde se decidia quem era de esquerda e quem era de direita”. Podem ainda ver-se as obras “Memórias Chorosas da Dona Branca”, da artista Vitória Lopes, o “Baloiço Empresa da Cal”, da arquiteta Lara Teixeira, e “Jesus Cristo Humanizado”, do artista Óscar Rodrigues.
CULTURA
A Empresa da Cal é um local onde se respira cultura. Além das várias esculturas espalhadas pelo parque, o espaço acolhe exposições e desfiles de moda, por exemplo.
“Já tivemos aqui um desfile de moda, de roupa feita de material reciclado, tivemos uma exposição do artista Nuno Castelo e este ano queremos continuar com essa aposta, há sempre ideias a surgirem”, refere o responsável. E no dia em que visitámos a Empresa da Cal, o espaço preparava-se para receber um astrónomo, para dar a oportunidade às pessoas de observarem as estrelas.
De acordo com Fernando Pereira, “o parque está aberto a todo o tipo de ideias, desde que se enquadrem nos princípios e no pensamento da Empresa da Cal”.
Com um total de 100 mil metros quadrados, dos quais 25 mil são visitáveis, o parque está aberto de junho a outubro, mas a ideia é que, num futuro próximo, seja possível estar aberto todo o ano. “A Campeã é uma terra muito fria, pelo que estou a estudar algumas alternativas para que as pessoas possam aproveitar aqui os dias bonitos de inverno”.