Segunda-feira, 9 de Dezembro de 2024
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Estas Alegres Queimas Outonais

É tradição antiga nestes nossos Minho e Douro Litoral a queima de sobrantes, principalmente na ressaca das vindimas e das podas. Quantos de nós não sentiram já o ar invadido pelo fumo dos vizinhos, às vezes durante dias e dias?

Está tão enraizada esta praxe que já parece ser reacção pavloviana, tanto nos que a praticam como nos que a toleram acriticamente. A tradição afirma-se mesmo nos dias húmidos, em que o fumo sobe a custo para logo se despenhar ao longo de áreas enormes, fazendo muito fiel homenagem ao provérbio que manda espalhar o mal pelas aldeias.

E tanto é o fervor dos devotos que parecem racionar o combustível (os mais industriosos juntam-lhe plásticos e outro lixo) de maneira a fazerem a sua singela fogueirinha durante vários dias, interrompidas apenas pelas inoportunas chuvadas. Não, não lhes serve amontoar, secar e queimar. As honras a tão estranho santo têm o seu rito e a sua exegese.

Pois está na hora da sociedade pensante separar definitivamente a tradição da inércia, e prestar atenção a esta prática. Não só porque incomoda, não só porque desrespeita quem partilha o mesmo ar, mas sobretudo porque esse tipo de poluição é potencialmente cancerígeno [1]. 

Proponho que os nossos regulamentos municipais passem a proibir toda a queima de sobrantes, sem contemplações nem excepções. Para compensar, as Câmaras devem criar um sistema viável e acessível para a recolha – ou então, melhor ainda, seguir o conselho da Zero e adquirir trituradores [2], pela fracção do preço de uma rotunda, e destacá-los periodicamente de freguesia em freguesia. E quanto ao produto da trituração, não deve ser necessária inspiração divina para encontrar alguma forma de o valorizar.

Se continuarmos a fazer vista grossa a também esta situação, que é – chamemos os bois pelos nomes – um comportamento anti-social, seremos parte passiva nesta animada espiral, esgoto abaixo, em que nem a saúde se respeita, até ao dia em que acordemos com a já periclitante civilidade presa por arames.

Se este vaticínio vos parece exageradamente pessimista, reparem no lixo que se acumula por estradas e valetas; garrafas de água, máscaras e pacotes de tabaco são às centenas. Por falar na estrada, é exactamente aí que se faz mais gala desta decadente barbárie XXI. Já nem falo nos excessos de velocidade, nem das já tradicionais viaturas alteradas, nem sequer dos filtros de partículas que se removem em vez de substituir. Veja-se somente como se circula tão à vontade fora da via, como se entra em contra-mão nos entroncamentos (era uma vez a perpendicular), onde e como se estaciona, etc. Vai morrendo gente aqui e ali, mas enquanto não forem os nossos… só que às vezes são!

Aos nossos edis quero dizer que apesar da intrigante moda de cruzar os braços para a fotografia, é talvez avisado descruzarem-nos fora dela. Interessem-se pela formação que não traz honras nem canudo, e leiam. Leiam por exemplo sobre a Teoria das Janelas Quebradas [3].

Os sinos têm tocado a rebate, senhoras e senhores. É altura de defender as muralhas.

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