Segunda-feira, 2 de Dezembro de 2024
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Fazer K.O. ao cancro

Campeã do mundo de kickboxing nove anos consecutivos, Sónia Pereira descobriu, em 2022, que tinha cancro da mama. Após o diagnóstico não baixou os braços e travou a luta mais difícil da sua vida. Hoje, é com orgulho que diz que fez K.O à doença

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Foi dentro do ring que Sónia Pereira viveu os melhores momentos da sua vida, ao sagrar-se campeã do de kickboxing nove anos consecutivos.

Tinha 13 anos quando, após ver um combate do mestre Pina, que hoje é seu marido, decidiu que era aquilo que queria fazer. “Fui lá ao ginásio inscrever-me. A senhora olhou para mim e achou que, pelos meus 35 quilos, eu queria ir para a ginástica. Disse-me os dias dos treinos e quando cheguei e vi que era ginástica disse-lhe que não queria aquilo, queria treinar com o mestre Pina”, recorda.

E o amor pela modalidade foi instantâneo. “O mestre Pina disse-me sempre que eu tinha muito jeito, já a minha mãe pensava que aquilo era passageiro. Mas não foi”.
“Sempre gostei de desportos individuais, em que dependa só de mim. No kickboxing é assim, ou dás ou levas”, afirma, entre risos.

A partir daí, conquistou inúmeros títulos nacionais, regionais e internacionais tornando-se uma referência na modalidade. “Comecei a ganhar tudo, não dava hipótese à concorrência. Fui muito feliz no kickboxing e fui campeã do mundo nove anos consecutivos”, salienta, confessando que “não é fácil, perdi muito tempo com a família e com os amigos”.

“Foi complicado, mas era o meu sonho e consegui concretizá-lo. Hoje fico muito feliz porque procuro o meu nome no Google e, modéstia à parte, posso dizer que fui a melhor do mundo”.

Ao longo de 25 anos foi feliz dentro do ring e fez muitas amizades. Contudo, aos 39 anos, colocou um ponto final na sua carreira. A decisão “não foi fácil”, mas “não me arrependo do meu percurso. É um orgulho ter sido sempre atleta do Ginásio Clube Mirandelense e ser aqui treinadora há 11 anos”.

Pelo caminho conta ainda com a experiência de ser selecionadora nacional de juniores, tendo recebido uma menção honrosa do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “a agradecer os feitos conseguidos porque, em 2016, levei 16 atletas aos campeonatos do mundo e viemos de lá com nove medalhas”.

 

Despediu-se dos rings após a conquista de um título mundial. “Só disse que ia abandonar a carreira no final do combate. Peguei no microfone e disse que era a minha despedida. Ninguém sabia, só eu e o meu marido”, recorda, destacando que “fui a atleta mais nova a tornar-se campeã mundial e aquela que esteve mais tempo em competição”.

“Custou-me muito, mas teve de ser”, afirma, admitindo ser “muito difícil passar de atleta para treinadora”.

Desde então, dedica-se, de corpo e alma, ao Ginásio Clube Mirandelense e não esconde que, “mesmo para os mais pequeninos, eu e o mestre Pina, somos uma referência”.

Contudo, “há poucos atletas em Mirandela para fazermos competição”, explicando que “trabalhamos com eles até aos 16/17 anos, mas depois vão para a universidade e não voltam”, mesmo que hoje “seja possível viver da modalidade, ao contrário do meu tempo, em que eu pagava para combater”.

“Tomara eu ter as condições que existem hoje em dia”, afirma, salientando que “Mirandela é, desde há muitos tempo, a capital do kickboxing. Há 40 anos o primeiro campeão do mundo de kickboxing português foi o mestre Pina”.

A LUTA CONTRA O CANCRO

Após anos de conquistas dentro do ring, Sónia Pereira recebeu, a 18 de maio de 2022, a notícia de que teria pela frente a maior luta da sua vida, ao ser diagnosticada com cancro da mama.

A notícia foi um verdadeiro balde de água fria até porque “dizem-nos sempre que atividade física é sinónimo de saúde”. De repente, uma mulher que sempre praticou desporto é confrontada com “esta doença”, como Sónia lhe chama, mas “não baixei os braços”.

“Os sinais foram surgindo e andei a adiar a ida ao médico, porque já sabia qual seria o diagnóstico. Estive muito tempo em negação e quando fui quase que não chegava a tempo”, conta, acrescentando que, mesmo assim, “desde o primeiro minuto que disse que ia vencer esta doença”.

“Doutor, o que é que eu tenho de fazer para viver?”. Foi esta a pergunta que Sónia fez ao médico e a resposta veio em forma de sessões de quimioterapia e radioterapia.

“Fiz cinco meses de quimioterapia em Macedo de Cavaleiros, tirei o peito direito e depois fiz mês e meio de radioterapia”, recorda, confessando que “nunca chorei e nunca questionei o porquê de me acontecer a mim. O meu único pensamento era vencer isto”.

QUEDA DO CABELO

“Toda a gente estava habituada ao meu cabelo loiro e comprido”, revela Sónia, que optou por “não passar pela experiência de o ver cair”. Para isso, “no dia a seguir à consulta fui rapá-lo”, recorda, contando que “devia estar anestesiada porque não me caiu uma lágrima”.

E depois comprou uma peruca, “de cabelo natural”, mas “muito cara” e que usou “duas ou três vezes”, acabando por doá-la à Associação Borboletas aos Montes, sediada no hospital de Vila Real e que apoia mulheres com cancro da mama.

“O meu marido comprou-me muitos lenços, de várias cores, nunca usei nenhum. Assumi o cabelo rapado e pronto”.

CIRURGIA

Além da quimioterapia, Sónia fez uma cirurgia para retirar o peito direito. “O meu tumor não foi um nódulo, foi uma ferida que rebentou para fora. A quimioterapia tirou tudo e fui operada para tirar alguma coisa que tivesse ficado, porque já não tinha peito”, explica, admitindo que “a cirurgia não correu muito bem porque depois apanhei uma bactéria e estive muito mal”.

E não tenciona fazer reconstrução mamária. “Estou muito bem resolvida com a minha vida, tive o apoio familiar que tinha que ter e não estou para passar por tudo outra vez”, admite, acrescentando que “não me sinto mais nem menos mulher por não ter o peito”.

Contudo, tirar o peito trouxe consigo uma notícia que ainda está a digerir. O facto de lhe terem sido retirados muitos gânglios, faz com que nunca mais possa dar um soco com a mão direita.

“Saber que nunca mais posso calçar uma luva e bater num saco e nunca mais posso fazer nada com o braço direito custou-me muito. Tenho que ter muito cuidado porque se o braço inchar, nunca mais desincha”, refere, admitindo que, em todo o processo, esta foi a notícia mais difícil de assimilar.

O FUTURO

Sónia Pereira é uma verdadeira lutadora e o cancro é mais um adversário que quer vencer por knockout (K.O.), ainda que fique com sequelas para toda a vida.

“Eu, que fui atleta toda a vida, agora canso-me facilmente. Ainda hoje não me consigo levantar sozinha”, conta.

Sónia admite que a luta “tem sido difícil” e sabe que “a qualquer momento pode aparecer alguma coisa”, mas “espero daqui a dez anos ter alta”.

Enquanto isso não acontece, “sigo a minha vida, dentro dos possíveis, tenho consultas de seis em seis meses e tomo medicação todos os dias”.

Para aqueles que lidam com o mesmo problema de saúde, Sónia deixa uma mensagem de otimismo. “É uma doença muito complicada, mas se tivermos um espírito derrotista é pior, além de que o apoio familiar também é muito importante. Os tratamentos são duros, o tempo custa a passar, mas não nos podemos deixar ir abaixo. Eu acho que a própria doença às vezes vence por isso, porque as pessoas desistem. Quem passa por isto tem de ter muita força e lembrar-se que a ciência está muito avançada. Cada caso é um caso, mas o importante é aproveitar cada dia ao máximo e mais importante de tudo, não adiem a ida ao médico como eu porque quando forem pode ser tarde”.

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