Quinta-feira, 3 de Outubro de 2024
No menu items!

Há 95 anos: Primeiro Código da Estrada em Portugal

Quando, hoje, se permite uma velocidade máxima de 50 quilómetros horários nas localidades (e já torcemos o nariz face à hipótese de essa velocidade poder ser reduzida para os 30 km/h) não pensamos que, no nosso país, quando foi elaborado o primeiro Código da Estrada, a velocidade máxima admitida para o trânsito automóvel dentro das localidades era, apenas, de 10 km/h

-PUB-

Os automóveis já existiam, mas aqueles tempos ainda eram os das “carruagens sem cavalos”, apenas ao alcance de reis, pessoas nobres ou senhores abastados. Antes, houvera já experiências com veículos a vapor, muito esquisitos para quem os veja agora, quando já se fala em automóveis voadores, veículos terrestres autónomos, carros anfíbios e drones sem condutor comandados à distância e que nos passam centímetros acima da cabeça.

Novas máquinas, novas regras

Foi em 1928 que surgiu o primeiro código para a condução e circulação de veículos automóveis que estavam a ser ainda uma novidade. A maior parte desses veículos que tanto apreciamos agora quando somos confrontados com variados encontros de “automóveis históricos” – o célebre Ford T de cor preta foi lançado nos Estados Unidos da América, em 1908, com a publicidade a referir que “por apenas 850 dólares, a condução deste automóvel está ao alcance de qualquer homem ou mulher”. Esses carros (esse e outros modelos que foram aparecendo) andavam por aí (claro que a grande maioria circulava nas ruas das maiores cidades – muitas de terra batida, com as rodas dos automóveis ainda sem pneumáticos), de qualquer forma, em qualquer sentido, em qualquer sítio, rodando a direito ou em ziguezagues, desviando-se uns dos outros segundo o instinto ou a perícia e o senso dos condutores, desviando-se também das carruagens, das carroças, dos carros elétricos e dos animais que andavam frequentemente também nas ruas, desde os cavalos aos porcos e galinhas e até obrigando alguns transeuntes a darem saltos para não serem atropelados e para que esses saltos não fossem mortais. Daí a necessidade urgente de criar um regulamento comum, geral e eficaz para a deslocação dessas novas máquinas (algumas coexistiam com automóveis a vapor ou ainda puxados por cavalos). As autoridades começaram então a estudar o melhor processo de o elaborar. E, no ano de 1928, o documento estava pronto.

Contra os “chauffeurs” cadastrados

Ainda assim, temia-se que as pessoas não respeitassem o novo Código. Dizia-se: “Se não se cumprirem as disposições de trânsito, as nossas estradas serão utilizadas por suicidas”. Uma verdade óbvia que tem durado até aos dias de hoje. Poderá acrescentar-se ao termo “suicidas” também o de “perigo público”, até “assassino”, se os condutores atingissem deliberadamente ou por negligência pessoas a pé que têm o mesmo direito à rua que os automobilistas (camionistas, motociclistas, ciclistas e, agora, até trotinetistas). “É preciso acabar com os chauffeurs cadastrados. É preciso que se fiscalizem as estradas, especialmente as de turismo, a fim de se evitarem verdadeiros abusos porque as estradas são de todos e não só de meia dúzia de pretensos ases do volante” – afirmou, na apresentação do primeiro Código das Estradas de Portugal Oliveira Monteiro, presidente do Conselho Superior de Viação, o qual acrescentou: “Esses ases do volante que não contem com as companhias de seguros para lhes garantir as suas proezas porque breve serão conhecidos e nenhuma companhia poderá tomar a responsabilidade das suas loucuras. Aos condutores que causem qualquer acidente e não parem imediatamente para prestar socorro e aos que causem qualquer acidente por transgressão das regras deste Código em que se lhe reconheça culpabilidade ser-lhe-á cassada a licença de conduzir até resolução definitiva dos tribunais”.

Tomar a direita, dar a esquerda

A grande novidade do primeiro Código da Estrada publicado em 1928, foi a obrigatoriedade de circular pela direita, deixando caminho livre à esquerda. A direção do Automóvel Clube de Portugal, alertava: “A direção do A. C. P. (Automóvel Clube de Portugal) avisa todos os seus consócios, os automobilistas em geral e ainda todos os condutores de veículos que circulem no país de que, a partir da meia-noite de hoje, exceto em Lisboa, onde só começará amanhã, às 5 horas, a circulação geral muda. Todos os veículos civis e militares passam a rodar pela direita, dando a esquerda ao centro das estradas e ruas, em todo o território do continente e ilhas adjacentes. A ultrapassagem dar-se-á pela esquerda do veículo a ultrapassar”. O jornal “Diário de Lisboa” dava grande espaço às mudanças e apelava: “Pela direita! Faz favor de dar a esquerda!”. Para esse jornal, essa mudança era “o assunto mais palpitante” do “importante diploma”. Havia a confiança de que “a pouco e pouco, dentro de um curto prazo, todos os condutores de veículos e bem assim os peões se convencerão de que se não cumprirem todas as disposições de trânsito agora apresentadas, as estradas só servirão para nelas transitarem ou os loucos que se quiserem suicidar ou os arrojados que quiserem ter a sensação da morte em todas as esquinas. Para exemplo, basta ver a série de acidentes que têm sucedido na estrada de Sintra”.

Saber qual é a esquerda

Na sequência da pedagogia dirigida aos condutores, Oliveira Monteiro explicava: “Toda a gente sabe qual é a sua mão direita. Agora, há que saber qual é a sua mão esquerda. E não há mais nada senão isto!”. O “Jornal dos Sports”, na secção dedicada ao automobilismo (sim, o automobilismo já era tratado como modalidade desportiva) também não deixou escapar a oportunidade de se referir ao diploma apresentado pelo governo: “O leitor estava talvez habituado, como frequente assíduo dos elétricos, a olhar para certa janela quando descia a avenida, de manhã, ao entrar no escritório. Passa a olhar quando for jantar e a inversa é também admissível. Estava habituado gentilmente a dar a direita. Dê a esquerda que não deixa de ser gentleman. Guarde a sua mão direita para quando casar. A gente vê os prédios, as igrejas, os jardins, as montras, os placards, os passeios tudo à nossa direita. Entremos noutra vida: passemos a ver a esquerda”. Alguém questionou, na plateia: “À noite é que vai ser mais difícil…”. “Qual história!” – respondeu o presidente da edilidade: “Vêm aí cinco mil candeeiros novos!”.

COISAS ESPECIAIS SOBRE OS AUTOMÓVEIS DOUTRAS ERAS 

 

Contra a velocidade excessiva 

No Reino Unido, antes de 1896, o limite de velocidade dentro das povoações era de 3,2 quilómetros por hora e fora delas o dobro: 6,4 km/h.

 

A primeira vítima do automóvel

No dia 12 de outubro de 1897 foi desencaixotado numa oficina de Lisboa o “Panhard & Levassor”, propriedade de D. Jorge de Avilez e Sousa Feio que o tinha adquirido em Paris, em segunda mão. Foi o primeiro automóvel a chegar a Portugal. A designação da viatura era “trem movido a vapor de petróleo”, o que causou viva discussão na Alfândega quanto à taxa a aplicar, já que tal veículo não constava no rol das contribuições. Para o por em marcha foi preciso recorrer à inocência de um moço de fretes que deu à manivela, pois o dono e os amigos preferiram colocar-se a boa distância, com receio que a maquineta explodisse. Uma vez com o motor a trabalhar, sem que se tivesse verificado qualquer anomalia, D. Jorge de Avilez iniciou a viagem de Lisboa até à terra em que residia, Santiago de Cacém. Mas, ao passar em Palmela, deparou-se-lhe um burro postado calmamente no meio da estrada, tendo sido atropelado mortalmente, dessa forma se tornando a primeira vítima deste tipo. O dono do carro teve de pagar uma indeminização ao dono do burro: 18 mil réis.

 

A primeira desqualificação

Em 22 de julho de 1894, a cidade de Paris serviu de ponto de partida para a primeira competição automóvel, numa distância de 135 quilómetros até Rouen. O primeiro prémio seria atribuído ao veículo que percorresse essa distância sem perigo, através de uma condução fácil e barata. Era uma forma de divulgar o automóvel. A prova recebeu 102 inscrições.Chegaram a Rouen 17 veículos e o vencedor foi o conde Jules de Dion, um “playboy” de 38 anos. Percorreu a distância em 6 horas e 48 minutos. Mas o júri veio a desqualificá-lo, já que o carro que conduzira necessitava de um fogueiro (!) e não se enquadrava no conceito de condução fácil e barata. Foi a primeira desqualificação do desporto automóvel.

 

Benefício ecológico

Em 1900, o automóvel foi aclamado, nos Estados Unidos, como sendo um meio antipoluente. Só em Nova Iorque eram recolhidas diariamente 480 toneladas de excrementos produzidos pelos 120 mil cavalos que lá circulavam.

APOIE O NOSSO TRABALHO. APOIE O JORNALISMO DE PROXIMIDADE.

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo regional e de proximidade. O acesso à maioria das notícias da VTM (ainda) é livre, mas não é gratuito, o jornalismo custa dinheiro e exige investimento. Esta contribuição é uma forma de apoiar de forma direta A Voz de Trás-os-Montes e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente e de proximidade, mas não só. É continuar a informar apesar de todas as contingências do confinamento, sem termos parado um único dia.

Contribua com um donativo!

VÍDEOS

Mais lidas

ÚLTIMAS NOTÍCIAS