Segunda-feira, 9 de Dezembro de 2024
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Histórias na grelha de partida

Chegámos à 50ª Edição do Circuito de Vila Real! Muito se disse por ontem, muito se diz por hoje, e muito se dirá, certamente, por amanhã. Por ontem, recolher os muitos pontos fortes (sem esquecer os fracos a corrigir), por hoje fazer os pontos fortes e por amanhã ter a ambição de os criar.

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Só o MAIOR vale a pena!

Venho agora partilhar algumas histórias das corridas, que revelam bem o saber, e o bem saber estar, de todos os que também souberam ser artesãos neste tear de emoções, e que, às vezes, não têm tido reconhecimento… aliás nunca o procuraram…

 

O Refúgio dos Guerreiros

Se as nossas boxes atuais são magníficas tendas, nada mau… diria, por comparações, e alguma boa vontade… nos tempos antigos eram… por assim dizer… caixotes! Aonde? Primeiramente em frente ao Jardim da Carreira, depois na Av. 1º de Maio antes da entrada para o Parque, e, finalmente, em “andaimes” em frente à bancada escavada nas rochas. Mas faltava espaço para os mecânicos (e alguns pilotos…), trabalharem. Era preciso arranjar condições e soluções para que eles, chegando muitas vezes uma semana antes, pudessem desmontar e montar motores… e suspensões… e caixas de velocidades… e o resto mais…, tudo muito bem regado a óleo. Mas… a Garagem Loureiro… ali tão perto…

Todos os anos, invariavelmente, o seu proprietário, de nome José Loureiro, bramia, alto e em bom som – este ano não vem para cá ninguém! Acabou-se! Fazem muito barulho! É uma confusão e uma algazarra! O pessoal não trabalha! E ainda por cima não os percebo!… Não vem para cá ninguém! – "Oh Tio", dizia eu, com os meus 13, 14 anos, a olhar para cima, que ele era alto… "não têm para onde ir… aqui estão tão perto da meta… é só uma vez no ano…"

Então, como habitualmente, lançava eu, a horas e finalmente, a esperada deixa — "eu tomo conta, pronto!"

"Hum… só se tu tomares conta!" Falava do cimo da sua encenação… "Tá bem, eu tomo"! E lá punham uma corrente à entrada, e lá estava eu (eu, e os amigos que aliciava como “pecadores de proximidade… ali presentes a um palmo dos carros e a sentir o peito a tremer quando da música dos escapes… qual orquestra na batuta dos mecânicos!…), a permitir a entrada de pequenos grupos de mirones, de cada vez, para deslumbre do ver, do cheirar e do ouvir! E cumpria-se a improvisada e repetida solução…. O abrigo na Garagem Loureiro… Ninguém reclamava, ou… nem eu queria saber!

Por entre o seu olhar que podia parecer duro, na nossa cumplicidade sabíamos que aquele coração era de manteiga…

Bem haja, José Loureiro, em nome das corridas!

 

A Comissão Permanente Sombra – pão, queijo, presunto e vinho

Nos meus 15, 16 anos eu era um senhor! Um mês antes das corridas (já de férias, pois claro…), respondia ao irresistível “chamamento” e  afundava-me na “Sede” da Comissão Permanente – as instalações do Turismo, na Avenida, a ajudar o timoneiro deste barco, quantas vezes em águas revoltas, que era contratar os pilotos estrangeiros, os atores deste teatro em festa…, Francisco Teixeira (para os amigos, Chico Teixeirinha!).

Aí passava os dias (e noites…), a receber e a enviar “telexes”, a falar ao telefone com os Vic Elford, Peter Gethin, Dave Walker, David Piper, John Miles, ou um “angariador” inglês que mais parecia ter um olho de vidro e uma perna de pau… como um pirata a saquear Naus e Caravelas… tal o cuidado que era preciso ter… e os outros que mais vieram (diziam que eu falava bem inglês… coitados!) deixando-me, de Braçadeira Permanente, já desbotada, a ter ares de gigante rasteiro…

Mas o melhor estava sempre para vir. Aí a uns dois dias antes dos treinos, ao fim da tarde, muitas vezes bem ao fim… quando saíamos, lá vinha a expectativa do que significava o até logo…

Pelas onze combinadas, chegavam o pão, o queijo e o presunto (as bolas de carne vinham mais tarde… quentinhas…), a regar com o vinho de alguém, mais as histórias, espelhadas nos olhos raiados e em água do Dr. Zézé, mais as piadas desregradas do Carlos Fernandes… e as gargalhadas… intermináveis e contagiantes… de todos mais (incluindo o meu pai…). Era a Comissão Permanente Sombra, aquela que era sempre reserva para abrilhantar a festa… (penso que quem teve a feliz  oportunidade de ombrear com alguns destes verdadeiros “gourmet” da farra… ceias de muitas estrelas Michelin no firmamento, que já ia bem adiantado, facilmente conseguiria imaginar o que um velho pretexto como este… como se fossem precisos pretextos… era capaz de incendiar!).

Mas, num destes dias, de umas mãos virtuosas, certamente, sai um filme… como direi? Pouco ortodoxo? Não aconselhado a pessoas mais sensíveis? Bolinha vermelha? ou melhor!… vade retro, para crianças e adolescentes!!!… Cassete no vídeo e, passados uns “regalados” minutitos…, de repente um deles vira-se para trás e exclama – mas está ali o rapaz! Logo outro responde prontamente – e depois?! Ele mais cedo ou mais tarde vai ver!… Deixa lá que ele logo, em casa, resolve o assunto!… Sem prestarem mais atenção, lá fiquei eu, até às tantas, em muito boa companhia e a fingir-me de morto…

Um bem haja ao Francisco Teixeira, ao Dr. José Rebelo,s os outros presentes, em nome das corridas… e da minha educação!

 

Quando o Circuito acordou a cores

Chegado, estremunhado, do LNEC à Direção de Estradas de Vila Real, o então Diretor, Eng.º Humberto de Carvalho, resolve entregar-me a responsabilidade de gerir a área da Conservação da rede rodoviária do Distrito. Talvez não fosse, na altura e para alguns, a área considerada mais “nobre”… porém a proximidade com, mais que muitos… Cantoneiros, Jornaleiros Motoristas, Mecânicos… e até um Carpinteiro havia…, colmatava algumas “eventuais dúvidas existenciais”… Mas aproximou-se Julho, as corridas, e o Eng.º Humberto, aliás como desde sempre, ordenou que se efetuasse a limpeza, e algumas reparações (só o que fosse preciso…) das Estradas Nacionais 2, 15, 322, 322-1 (por coincidência… o Circuito de Vila Real…). Cantoneiros e Jornaleiros varriam, já com vassouras cansadas de 2 meses, todos os cantos à casa dos motores, com vontade crescente de levantar o tapete betuminoso e atirar o lixo para debaixo… e os lancis eram caiados como de branco a brilhar.

Ora, eu não estava distraído, e tinha começado a ver as pinturas nas curvas dos outros circuitos por esse mundo fora da televisão. Não estive com meias medidas – "Júlio, vamos pintar as curvas!"

 

Marquei os locais, de onde até onde, escolhi as cores da minha imaginação, e lá foi o Júlio (o nosso leal pintor da JAE, que muito estimo, cúmplice dos meus “desvarios”, e que, durante muitos anos, me aturou…), com a equipa, pintar a primeira curva. No dia seguinte, preparava-me para passar à 2ª curva quando o Diretor me chamou ao Gabinete."Que andas a fazer?! A pintar as curvas", respondi eu com ingénua convicção e determinação! "Vamos ter um Circuito a cores…"

– "Para já com isso! Olha que ainda agora se queixaram (“gente importante,” digo eu…) – aonde já se viu andarem a pintar o chão?!" Chocado com a tacanhez do cinzento sem cores, que não beliscava a entrega generosa do Eng.º Humberto para com o Circuito, apenas consegui exclamar num rasgo de luz – "posso ao menos acabar de pintar as curvas que já comecei? – Está bem… vai lá!" Retorquiu, com o brilho nos olhos de quem sabe que não se deixa enganar.

Saí como seta direito ao Júlio – "Júlio comece depressa todas as curvas!"… e lá foram eles… sem entenderem bem aquela batida!

Depois foi só esperar um bocado até o Júlio voltar ao pé de mim. "Já está!"

Então, com voz serena e matreira – "olhe, Júlio, agora acabe!…"

E assim nasceram as pinturas nas curvas do Circuito, até hoje…

Fico a imaginar aquele sorriso de sabedoria… resguardado na sala do edifício do Governo Civil de Vila Real. A JAE também era Circuito!

Bem haja, Eng.º Humberto de Carvalho, em nome das corridas!

Três pequenos testemunhos, de quem fez aberta a gaveta da memória, em homenagem aos que fizeram, e farão sempre, parte da primeira fila da grelha de partida do Circuito Internacional de Vila Real.

Simples histórias minhas… e muitas mais haverá por aí para contar, com algumas personagens, às vezes injustamente esquecidas, que fazem a história dos “malucos” do Circuito.

O Mundo espanta-se!

 

 

 

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