Joachim Gnilka é um sacerdote alemão, professor universitário de teologia em Munique. Em 1993 editou na Alemanha um livro sobre o universo geográfico, histórico, cultural e religioso do tempo de Jesus, livro que foi traduzido para português em 1999, antes dos dois livros do Papa.
Os nomes dos capítulos do livro de Gnilka apontam claramente o conteúdo e objectivos do mesmo: «Situação política em Israel no tempo de Jesus», «Situação espiritual, religiosa e social em Israel no tempo de Jesus», «Jesus antes da sua vida pública», «A mensagem de Jesus», «Discípulos, seguimento e estilo de vida», «Ensinamentos, autoridade e missão de Jesus», «O conflito e os últimos dias», «O processo e a execução». Aí aparecem suficientemente desenhados a informação sobre as relações dos judeus com os romanos, os vários grupos e sensibilidade religiosa judaica, a originalidade e núcleo central da mensagem de Jesus, o choque que a actuação de Jesus produziu nas autoridades e grupos religiosos, o julgamento e a morte.
O autor coloca-se na perspectiva do observador exterior, do historiador. Descreve o palco e os cenários humanos da acção de Jesus, e não entra dentro do mistério do actor, da consciência que Jesus tinha de si mesmo e dos seus objectivos pessoais. Em termos de escola, somos tentados a dizer que tenta fazer uma «biografia» de Jesus, desenhar o «Jesus histórico», mas o autor esclarece no prefácio que uma biografia de Jesus é impossível. Aproxima-se disso.
Durante a leitura, que a edição portuguesa dificulta por estar impressa em tipo reduzido, sente-se a vontade de perguntar pelo herói ali referido, pelo mistério que traz consigo, que pensa ele de si mesmo, que referências há sobre ele no Antigo Testamento.
São exactamente essas perguntas que motivaram o Papa a escrever sobre Jesus um livro diferente do de Gnilka. O livro do Papa, como aqui já referi, não é uma biografia nem sequer um estudo do condicionalismo sócio cultural do tempo de Jesus, mas um livro sobre o próprio Jesus a partir da exegese bíblica dos textos do Novo Testamento sobre Jesus de Nazaré, e em que o Papa tem em conta a reflexão teológica sobre os textos que no Antigo Testamento se referem a Jesus.
A mim, que comecei pela leitura do livro do Papa, agradou-me ler depois o livro de Gnilka como complemento da leitura anterior. E pude confirmar a advertência que Bento XVI faz da obra de Gnilka e de outros autores como o jesuíta Johom Meier: «Relativamente às questões cronológicas e topográficas da via de Jesus existem obras excelentes. Lembro de modo particular Joachim Gnilka e a obra profunda de Johon Meier (….). O Jesus histórico, como aparece na corrente principal da exegese crítica a partir de seus pressupostos hermenêuticos, está demasiado ambientado no passado para tornar possível uma relação pessoal com Ele» (Bento XVI- Jesus de Nazaré, II, pág.11). «Há que afirmar que o método histórico crítico é e permanece uma dimensão irrenunciável do trabalho exegético. Para a fé bíblica é fundamental a referência a acontecimentos históricos reais, pois ela fundamenta-se na história que aconteceu sobre a superfície desta terra (…). Mas devemos acrescentar que o método histórico crítico não esgota a tarefa da inteligência» (Bento XVI- Jesus de Nazaré I, pág.16)
São obras indispensáveis, mas deixam no coração, e mesmo na inteligência do cristão, um vazio sobre a pessoa de Jesus, à maneira do namorado que, na visita à casa da noiva, encontra somente o banco onde ela se sentou e as flores que ela cultivou, mas não a viu a ela nem ouviu a sua voz, e ficou ansioso por ver o seu rosto.
Por ter pressentido isso, Gnilka insere no final do seu livro um «apêndice» sobre «Jesus, o Cristo», o qual ultrapassa os objectivos históricos do livro e faz a ponte entre a perspectiva do seu livro e a outra perspectiva de uma reflexão teológica, como faria mais tarde Bento XVI.
Trago para aqui este apontamento de leitura porque o tema insere-se na problemática da evangelização do nosso tempo a tratar no próximo Sínodo dos Bispos em Roma em 2012 e já em preparação, e também nos objectivos das Jornadas Mundiais da Juventude a celebrar nos meados do próximo mês de Agosto.
Muitos estudiosos adultos andam mais à procura de curiosidades sobre o Jesus e as suas circunstâncias do que sobre Ele mesmo e a sua mensagem, diz Gnilka no prefácio do seu livro. Mas aos jovens interessa sobretudo a originalidade de Jesus, o impulso existencial e o encanto da própria pessoa de Jesus.
PS. Estava já escrito este texto quando surgiu a notícia do massacre na Noruega e do serviço religioso celebrado no Domingo na catedral de Oslo, designado «Missa» por alguns órgãos de comunicação social e «para homenagear os falecidos».
São dois erros colossais: o primeiro é chamar «Missa» a um acto protestante luterano, quando a Missa só existe entre os católicos; o segundo é dizer que isso se faz «para homenagear as pessoas falecidas». É a inversão total da religião, que deixa de ser entendida como uma relação dos vivos com Deus (a quem se louva e reza pelos mortos), e passa a ser uma relação dos homens entre si (um acto de louvor aos homens!). Faz lembrar o anúncio de um banquete de casamento que se fizesse para mostrar a habilidade do cozinheiro, a beleza das toalhas e os talheres de prata, mas do qual ninguém comeu nada.
É por tudo isto que é necessária a nova evangelização.