Domingo, 8 de Dezembro de 2024
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Macrocefalias políticas

1 – Há poucas semanas, num comentário pessoal ao plano político que ele próprio traçara para Cuba e pelo qual lutou durante toda a vida, Fidel Castro desabafou nestes termos: «o modelo cubano falhou e o sistema não serve para nós nem para nenhum país do mundo».

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Ainda me recordo do dia em que se noticiou a queda da ditadura de Fulgêncio Baptista perante a guerrilha desencadeada por Fidel, e se anunciou o sonho de ver um país católico governado por um revolucionário idealista caldeado de marxismo. Passados cinquenta anos, vem o seu desabafo corajoso de que o seu sonho não resultou e, mais, de que não serve para ninguém.

Trago para aqui este caso sem intuitos de política partidária, unicamente para ajudar a reflectir na problemática da organização do Estado e suas consequências.

2 – É dos livros que os regimes chamados «socialistas» (sejam os da linha rígida e ditatorial, como aconteceu na antiga União Soviética e países do Leste europeu e em Cuba, e acontece na China e actual Coreia do Norte; sejam os de orientação mais moderada, como os ditos socialismos democráticos), têm a tendência comum para concentrar no Estado os poderes político, económico, social, educacional e de saúde. É a marca de origem – a macrocefalia – , com o pretexto de impedir a formação ou o regresso do capitalismo dos indivíduos e dos grupos particulares, e o sonho de construir uma sociedade mais igualitária e socialmente mais justa.

Nesses esquemas, o Estado tende a crescer, a engordar como agora se diz, pela multiplicidade de organismos, de empresas, de funcionários, de secretariados, aos quais incumbe gerir o complexo governo do país: tudo se torna funcionário do Estado. No caso de Cuba, 80 % dos cidadãos eram funcionários públicos. Os funcionários tendem a instalar-se e a fazer jeitos e, consequentemente, gera-se a corrupção interna. O legislador tem de fazer leis para se defender dos desvios internos (nomeando mais comissões de fiscalização, do que resulta o amento do funcionalismo) e dos inimigos externos (identificados com a «iniciativa particular», os «capitalistas»).

Como não há estímulo ao brio pessoal, pois basta-lhes obedecer aos programas estabelecidos pelo Estado, a maioria dos cidadãos desses regimes concentrados perde o poder de criatividade, e o rendimento económico desce fatalmente, não bastando frequentemente dinheiro para cobrir as enormes despesas dessas estruturas. Foi isso que se viu na Alemanha do leste cujos cidadãos, ao ser integrados na Alemanha ocidental após a queda do muro, nem pareciam da mesma raça germânica, levando tempo a adquirir iniciativa e ritmo de trabalho, como acontece nos corpos longamente engessados. Isso mesmo reconheceu Fidel Castro: «o único país do mundo onde se vive sem trabalhar», disse o velho guerrilheiro de raízes galegas.

3 – Entre nós, portugueses, ainda antes do sonho socialista da revolução de Abril, já existia desde o Marquês de Pombal a mentalidade de que o Estado é, de facto e de direito, o grande senhor, tendencialmente o senhor de tudo: da vida política, da economia, da educação, da escola, da saúde, e até o controlador da expressão religiosa. Essa mentalidade atravessou o Liberalismo, continuou na República, passou para o Estado Novo e não desapareceu da prática política nascida depois da revolução de Abril. A grande aspiração da maior parte dos cidadãos portugueses é ser funcionário do Estado, de uma empresa pública, de uma autarquia, ser pago pelo Estado, com todas as garantias daí nascidas. Os trabalhadores que conseguiram lá chegar lutam desesperadamente pela manutenção do seu estatuto, rejeitam as privatizações, apoiam todas as obras públicas, e acenam sempre com a ameaça do capitalismo liberal. É o mesmo comportamento dos estados violentamente socializados.

4 – Talvez algum leitor mais apressado seja tentado a dizer que este é o intróito para fazer a defesa do capitalismo. Peço que vá mais devagar, não faça jogo dialéctico, aquilo que, na linguagem popular, se chama jogo de ping-pong, tomando a critica de um esquema político pela defesa do oposto. O que eu quero sublinhar é um facto histórico que deu os mesmos resultados em toda a parte, e assim ajudar a perceber o ensino da Igreja a respeito da organização dos Estados. Resume-se a três ou quatro princípios:

– «Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações familiares, sociais, ou culturais e os corpos ou organismos intermédios nem os privem da sua actividade legítima e eficaz; pelo contrário, procurem de bom grado promovê-la ordenadamente;

– Por sua vez, os cidadãos evitem, quer individual quer associativamente, conceder á autoridade um poder excessivo nem esperem dela, de modo inoportuno, demasiadas vantagens e facilidades, de modo a que se diminua a responsabilidade das pessoas, famílias e grupos socais» (GS 75)

Neste princípio geral está contida uma série de orientações que depois se repete em afirmações parcelares em muitos documentos, tais como o «princípio da subsidiariedade» (o que podem fazer os corpos mais próximos da realidade não seja entregue ao poder central); a afirmação de que «os detentores do poder não devem manter-se por muito tempo nos cargos públicos; que «ao lado do poder executivo haja órgãos fiscalizadores activos, que não sejam nomeados pelo mesmo grupo»; que a imprensa, a rádio, a televisão sejam livres;

Em todos estes princípios há duas constantes: o cidadão e os grupos formados pela iniciativa dos cidadãos têm ser o agente principal da vida política, económica e cultural; o poder estabelecido tende a corromper e, quanto mais concentrado for, maior é o perigo.

A minha reflexão termina aqui. O leitor faça por si a análise do que se passa entre nós há dezenas de anos.

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