Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2025
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Agostinho Chaves
Agostinho Chaves
Trata o jornalismo por tu. Colabora com a VTM há mais de 25 anos. Foi Diretor entre 2014 e 2019. Passou por meios de comunicação nacionais, como o Comércio do Porto e a Rádio Renascença.

Mapplethorpe

Entre nós, no meio de tantas coisas sérias a que devemos estar atentos e que os nossos governantes devem saber gerir, acontecem, por vezes, outras coisas que levantam burburinho, polémica, discórdia, gozos e contragozos, escândalos, sem que haja razão para isso.

Mas são essas as coisas que põem alguns a sair da normalidade dos seus bons costumes e das suas sãs consciências. A vida cultural é um exemplo. Se já lá vai o tempo de um ministro ser obrigado a demitir-se depois de ter ameaçado dois jornalistas e homens de cultura com dois estalos, agora foi a vez de um diretor de museu se demitir também, por causa de uma exposição de fotografia em que algumas das obras retratam cenas de sexo explícito. O escândalo foi tal que, depois de ter sido noticiado, acorreram à Casa de Serralves, no dia seguinte, mais de cinco mil pessoas, provavelmente muitas delas nunca tendo ouvido falar antes de Robert Mapplethorpe, consagrado fotógrafo norte-americano, um artista provocador, homossexual, ateu e politicamente incorreto.

Provavelmente, nunca a maior parte desses cinco mil terá visto fotografias deste autor nem terá sabido que Mapplethorpe já morreu. Mas os portugueses são assim: criticam, resfolegam, ameaçam e lutam contra a “pouca-vergonhice” dos tempos atuais. Mas não deixam de ir espreitar a exposição, mesmo ao tal sítio reservado onde as imagens de sexo (que não são pornografia, diga-se, mas uma realidade artística como outras, ainda que de teor sexualmente “hard core” – quem se lembra da exibição do filme de Oshima, “O Império dos Sentidos”, na televisão, filme na altura demonizado mas que, hoje, já muito pouca gente terá deixado de ver? – foram colocadas, preservando os visitantes de eventuais incómodos pela “dimensão provocatória e o caráter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas”, como é referido à entrada da exposição, ao jeito de aviso. Chama-se a isso “voyeurismo”, o nosso “espreitar pela fechadura” que ainda tem reflexos intensos, apesar da oferta multimédia que existe, livre, em todos os cantos da rua, da cidade, do país, do mundo.

A situação é natural (até porque existe uma lei sobre a exibição de imagens de cariz sexual que muita gente decerto também desconhecerá), justifica-se plenamente que o conteúdo explícito dessas cenas de sexo seja colocado em zona mais resguardada e reservada, tendo até em conta a natureza plural das pessoas que costumam visitar a Casa de Serralves (crianças incluídas). Aliás isso aconteceu em vários países, em Londres ou em Nova Iorque, segundo disse o presidente da Fundação Mapplethorpe, Michael Stour.

Mas nós temos a mania de ser diferentes, de criar “guerras de alecrim e manjerona”, levando à demissão de um ministro como João Soares ou de um diretor artístico como João Ribas por assuntos de somenos. Valha-nos Deus!

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