Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2024
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O Ano Paulino – A Mulher, o Pai e a Mãe

1 - Hoje é o «Dia do Pai», há duas semanas foi o «Dia da Mulher», e no primeiro Domingo de Maio será o «Dia da Mãe».

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Estas celebrações têm uma finalidade social e educativa: denunciar situações dolorosas e chamar a atenção para os pilares fundamentais da sociedade. Efectivamente, falar de «pai» e «mãe» faz vir ao coração a experiência mais profunda do afecto e dedicação de que a mãe, sobretudo na primeira fase da vida, é o exemplo consumado, e da disciplina e fortaleza de ânimo que o pai incarna. Os dois conduzem-nos ao valor da família como o lugar normal da paternidade e da maternidade.

Actualmente, por causa das tarefas da mulher fora de casa e da dispersão do pai para longe da família, da violência doméstica e das mães solteiras (a maioria delas vítimas da fraqueza feminina e da chantagem), torna-se conveniente a celebração do «dia da mãe» e do «dia do pai», frequentemente obrigados a duplo heroísmo.

O «dia da mulher» é diferente. Nasceu com a faceta de reivindicação política e feminista da mulher e, sendo uma jornada legítima, sente-se um menor entusiasmo por ela. Falar de «mulher» não leva imediatamente a pensar naquela parte da humanidade envolta em recolhimento e ligada ao mistério da vida, mas conduz depressa à ideia de liberdade, de autonomia, de afirmação individualista e até de ligeireza de costumes. Como causa e efeito de tudo isso, nota-se na sociedade actual uma espécie de implosão da constelação dos afectos, e as palavras pai, mãe, homem, mulher, casamento, sexualidade, filho, geração, fecundação artificial, giram no espaço social como estrelas errantes fora da sua órbita natural. Acerca do pai, os estudiosos falam de uma «crise da figura do pai» nesta sociedade tecnicista e amolecida, sem pensamento robusto.

2 – Neste Ano Paulino, a efeméride convida a uma reflexão sobre a mulher nas cartas de S. Paulo, um tema muito em voga.

A cultura que Paulo herdara, tanto judaica como helenista, não favorecia a presença da mulher na vida pública. O seu mundo era sobretudo a casa de família, a geração dos filhos e o apoio ao marido. A esse respeito, encontram-se na Bíblia (Prov 31,10-31) e nos textos clássicos páginas belíssimas (Penélope). A astúcia e a sedução eram as armas frequentemente usadas pela mulher: Rebeca, Dalila, Herodíades, Berenice (viveu incestuosamente com um irmão).

S. Paulo ultrapassa essa cultura e, nas suas cartas, sobretudo aos Coríntios, aos Romanos e aos Efésios, a mulher movimenta-se num espaço alargado: na carta aos Coríntios, em contraste com a mulher prostituída na sociedade e no culto pagão, surge a mulher cristã e o seu direito de escolher o estado de vida (solteira, casada e viúva), o direito da esposa ao débito conjugal, e o direito de a mulher se manter virgem e se consagrar a Deus (1Cor,7), o sinal do mundo que há-de vir e da vitória sobre a lei da carne, como acontece igualmente com o celibato sacerdotal que Paulo viveu e se mantém na Igreja; na carta aos Romanos (Rom16) temos o elenco de mulheres cristãs felizes quer pela hospitalidade quer pela acção pastoral; na carta aos Efésios, há uma catequese sobre o sacramento e a espiritualidade do Matrimónio cristão apresentado como sinal do amor de Cristo pela Igreja (Ef 5,25). Fala aí da subordinação da esposa ao marido, o que tem provocado a irritação de certas mulheres. Trata-se de uma comparação que, como todas, vale até onde vale. Paulo afirma a igualdade da mulher ao homem (Gal 3,28) e faz apelo constante aos maridos para que tratem as esposas como o seu próprio corpo (Ef 5,28) e sem aspereza (Col 3,19).

Para este novo estatuto da mulher muito contribuiu a reunião das comunidades cristãs nas casas de famílias: na casa de Lídia (Act 16,15) a primeira cristã da Europa; na casa do emigrante Àquela e Priscila em Corinto (16,19) e em Roma (16,5); na de Filémon e Ápia (Flm2); na de Ninfa em Laodiceia, a quem escreveu uma carta que se perdeu (Col 4,5); na de Filólogo e Júlia e de sua irmã e na de Olimpas (Rom 16,15). Contrariamente ao que estava ao prescrito aos judeus de só poderem construir uma sinagoga com um mínimo de dez homens, Paulo permitiu que em Filipos se formasse inicialmente uma comunidade só de mulheres (Act 16,13-15), e coloca, por vezes, o nome da mulher antes do nome do seu marido (Rom16,3; 2Tim4,19).

Da sensibilidade e estima de Paulo pela mulher, pela maternidade e paternidade, dão ainda testemunho a utilização das palavras «noiva», «dores de parto», «mãe que amamenta», «único pai», para exprimir o seu amor à Igreja e a sua actividade pastoral: diz ter gerado as comunidades, sente por elas novamente as dores de maternidade e o carinho da mãe que alimenta os filhos, primeiro com a linguagem acessível como leite de crianças e, mais tarde, com o pão mais duro da doutrina e de reflexão, e afirma-se como o pai das comunidades e não mero tutor. Esta linguagem não é de um misógino.

3 – É verdade que nas cartas pastorais a Timóteo, bispo de Éfeso, há alguns textos paulinos mais duros sobre o comportamento da mulher nas assembleias litúrgicas, os quais são invocados para acusar S. Paulo de misógino e a Igreja de discriminatória por não aceitar o acesso da mulher aos ministérios ordenados.

Trata-se da situação específica da cidade de Éfeso, onde alguns falsos doutores haviam difundido doutrinas que desprezavam o matrimónio, ao mesmo tempo que procuravam cativar mulheres mais ou menos ricas (1Tim2,9) para lhes extorquir dinheiro (2Tim3,6). Nesse contexto têm pleno sentido as palavras de Paulo contra esses doutores e as mulheres que andavam atrás de novidades (1Tim 4,1; 2Tim3,6)), talvez para exercer liderança na comunidade, ensinar e dominar (1Tim2,12); vagueavam de casa em casa, mexeriqueiras e não cuidavam da própria família (1Tim5,8,13). Eram sobretudo algumas viúvas jovens, e, para a sua recuperação, parecia só haver um caminho: casarem de novo e serem mães (1Tim 2,15;5,14).

O «feminismo» moderno vive de outra mística, naturalista e sociológico, e tem do sacerdócio uma ideia de «poder» e «prestígio», ao qual deseja fazer «ascender» a mulher. Ora o sacerdócio cristão não é uma profissão nem representa uma «subida» social, mas é um «serviço» específico como outros serviços na Igreja, entre eles a maternidade reservada à mulher (o caso recente de uma geração masculinizada é uma patologia). De resto, o sacerdócio nem é propriamente um direito do homem, mas um dom especial de Deus reservado a alguns homens, como se vê em toda a história bíblica onde não aparece nenhum caso de mulheres a exercer ministérios ordenados. As palavras «bispo» e «presbítero» e «anciãos» nas cartas paulinas ainda não têm um sentido rigoroso, e «diaconisa» tem o sen- tido geral de «servidoras» do Evangelho e de «esposas» dos diáconos.

Em conclusão, ao falar da mulher, do marido e da esposa, Paulo eleva-se sobre a cultura do seu tempo, mas seria um anacronismo exigir que falasse do direito da mulher ao voto político ou do acesso às profissões civis. Ele lançou as sementes que floresceriam mais tarde.

O leitor tome agora em mãos os textos citados e saboreie a amplidão de horizontes rasgados à mulher, nunca esquecendo que eles nasceram da fé cristã. Para ser ela mesma – a zeladora da beleza, do mistério da vida e do encanto das origens – a mulher precisa da salvação trazida por Cristo e não o conseguirá somente pelas forças humanas. O esquecimento disto é a grande ambiguidade de certos feminismos.

 

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