Os trabalhadores de Mateus, como sempre, madrugavam. Nos caminhos húmidos, as árvores amarelas alumiavam vivamente como suaves fogueiras que aqueciam a alma dos humildes. Acreditava-se, agora, mais no sentido da vida. Ganhava-se o espírito de dezembro derramando-se pelos prados as vagas claridades do dia. E o chão, antes florido, parecia agora lugar de santidade onde as orações tinham mais força.
Sobre as roseiras em flores, as tardes de outono caiam lentamente e as luzes do ocaso iluminavam as últimas plantas junto às casas, jardins e ruas e toda a natureza se remetia ao silêncio.
Nos céus perfilavam-se esquadrões de torninhos que passavam alegremente rumo ao sul.
As vindimas andavam a bom ritmo, umas com chuva, outras com sol encolhido e assim lá se iam fazendo com ajuda das cantadeiras e dos tocadores de concertina e gaita-de-beiços, não faltando ainda os atrevidos das desgarradas com as suas toadas picantes salpicadas de ironia e mordacidade.
Pelos caminhos andavam em estridentes chiadeiras carros de bois transportando atestadas dornas com uvas, vasilhas de aduela e arco.
Os lagares na pisa da uva eram autênticos lugares de festa ouvindo-se cantigas bem adornadas na inspiração da espuma que à superfície do lagar se mostrava como seda rósea e fofa.
O encanto do outono ainda hoje é o do recolhimento, é tempo de mantas e felicidades domésticas, de histórias fantasiosas e intimidades.
Nesta quadra há os perfumes da época: o cheiro da chuva na terra, nas árvores, nas ervas ou nas pedras das calçadas. Outrora, as mulheres andavam encantadas porque muitas delas prometiam aprender a fazer compotas, outras, as casadoiras tratavam do enxoval para o casamento.
Lá se foi o sol abrasador que fez raparigas trigueiras, agora começam a fazer-se fogueiras abrasantes de amor que as meninas trazem dentro delas como rosas que se abrem em flor.
Que quietude serena e transparente a inspirar os rios e as fontes…os montes lá no alto sempre poéticos, patéticos, sonhadores… e as paisagens começam a estar ocultas de encantamento, resistindo-lhe no entanto a imaginação que vive dentro de cada um… o outono é sempre uma estação de fascínio e de sonhos.
Os campos já sabem a dezembro com as suas cores discretas e poéticas à espera do nascimento de Jesus. Nesta quadra domina a vontade dos homens, porque no outono vive dolente o convite do sono e as estrelas e as flores brincam serenas nos parques estranhos da noite.