2 – Vários sociólogos afirmam que a figura do Pai vem a sofrer um declínio, contribuindo para isso vários factores.
Em 1948 calculava-se em 20.000 o número de crianças nascidas nos Estados Unidos por fecundação artificial. Desde então a técnica estendeu–se pela Inglaterra e outras partes do mundo, havendo hoje um maior número de crianças que ignoram o nome e o rosto do pai. À maneira das plantas fecundadas pela polinização avulsa, tais crianças podem chamar-se «filhos do vento», do anonimato total do pai reduzido a um dador de sémen. Há séculos que existem casos dolorosos de mães solteiras e, nas terras que foram teatro de guerra, há os filhos nascidos das aventuras dos militares, mas, no primeiro caso, sabe-se quem é o pai, e no segundo, há a referência genérica ao tipo dos militares, e ambos os casos eram lamentados, ao passo que hoje se tende a defender a fecundação artificial e o apagamento total do rosto do pai como um acto de igual valor e até sinal de progresso.
A verdade é que isto constitui uma anormalidade para a criança e uma anormalidade para o homem sadio: assim como uma criança deseja ter pai e mãe sexualmente diferenciados, o desejo profundo de um homem normal, dizia em 1949 o Dr Biot, não é somente «produzir vida», mas ter o «seu» filho.
3 – A lei do aborto é outro factor da redução da figura do pai, pois não lhe reconhecendo o direito de ser consultado sobre o futuro da criança, como se ela não fosse também seu filho.
Finalmente, a lei do casamento homossexual concorre para a desvalorização do equilíbrio humano do homem e mulher e consequente relação pai filho. Dizem excluir dessa lei a adopção e, no casal lésbico, a geração por fecundação artificial, mas o simples facto de chamar a essa união um «casamento» é também um triste índice do menosprezo da figura do pai.
É a violência à natureza das coisas. Sabe-se que a própria segurança e estabilidade afectiva da mãe é muito condicionada pela presença afectiva do pai no seu coração da esposa, havendo entre os dois um profundo circuito afectivo que os psicólogos não se cansam de referir. Escreve o psicólogo Georges Bastin: «Em qualquer momento da gravidez e no percurso do crescimento dos filhos, a influência indirecta do pai é fundamental. A mãe precisa de encontrar no amor conjugal a força necessária para fazer o seu papel de mãe. Por sua vez, a criança tem de sentir na sua mãe o interesse do pai. O petiz tem de encontrar à sua frente, não uma mãe que polarize em si toda a vida emotiva – seria um abafador –, mas uma mãe disponível e uma mulher afectivamente desabrochada».
4 – Também o processo educativo carece da presença do pai. Na relação afectiva mãe/filho, o pai introduz um elemento novo, um elemento de matriz psicossocial e cultural, o mundo exterior, a estabilidade, a firmeza e a segurança, a lógica, a estrutura intelectual. O pai é o símbolo do «poder», do «dever» e da «lei» acima dos afectos. A carência da autoridade paterna criará no filho um vazio que o afecto da mãe não consegue preencher».
Esta componente é visível também na esfera religiosa. No Ocidente, a partir do séc.XVIII (época do «iluminismo»), o homem confiou a educação religiosa dos filhos à mãe. Diz o teólogo alemão Bernardo Haring que isso representa um desastre na concepção e na vivência da fé do jovem, reduzindo a fé aos aspectos afectivos e devocionais, intimista, e a oração ao aspecto suplicante e para horas de aflição, uma religião onde falta o travejamento intelectual, teológico e doutrinário. Esta lacuna, muito frequente em rapazes e mesmo em meninas filhas de pais não praticantes, impede esses jovens de vencer os desafios lançados pelos escândalos sociais e pelo sofrimento. Essa legítima «racionalização» da fé requer hábitos mentais de fortaleza que, normalmente, se recebem do pai que, no caso, não existiu. Claro que há excepções, sobretudo quando a mãe teve um bom pai cristão, e, na ausência religiosa do marido/pai, ela foi buscar à sua memória de filha os gestos do seu próprio pai que tenta transmitir aos filhos. Faz de mãe de pai!
Dessa presença do pai na psicologia da filha, recordemos a alegria das noivas que, no cortejo nupcial, gostam que seja o pai ou o avô ou outro familiar próximo a conduzi-las ao altar, e quem algum dia assistiu à profissão religiosa de uma jovem mulher não esquecerá a alegria e a segurança que ela manifesta pela anuência e presença do pai nessa decisão.
É evidente que o papel do pai requer do homem algum empenho e formação, e isto deve ser lembrado no «dia do pai» Fala-se hoje muito da educação e dos problemas dos jovens. Ao filho pródigo ajudou-o a regressar a casa a imagem do seu pai: «quantos jornaleiros em casa de meu pai ….». Sintomaticamente, a sociedade vive hoje de relacionamentos afectivos e de comportamentos que pouco têm que ver com a figura do pai. Fala-se mesmo de um sentimento de «orfandade paterna», carência de gosto pela verdade e pela reflexão profunda, ausência de sentido de cidadania e, na vida religiosa, ausência de eclesialidade, exactamente os valores que em princípio o pai incarna.
Da minha parte fico a pensar nos esquemas familiares que são fornecidos aos jovens na escola actual, na mentalidade subjacente à legislação em vigor sobre o casamento e a família, nas paróquias sem homens praticantes, e interrogo-me onde é que os estes jovens hão de ir buscar os valores «paternos» para os viverem e transmitir aos filhos. Há uma pergunta que até custa a formular: alguns pais modernos saberão o que é educar?
No dia do PAI será oportuno cada um rever o seu percurso humano e religioso de filho e de pai, fixar os homens que influenciaram a sua vida (incluindo escritores e artistas), e talvez se possa compreender a crise da sociedade actual e a volta que é preciso dar.