Não vou falar de S. José, ainda que a sua festa seja a motivadora remota destas linhas. Pretendo chamar a atenção para a importância fundamental da figura do PAI na educação humana e religiosa dos filhos e da própria mulher.
Nas últimas décadas o múnus do pai parece haver sofrido um certo declínio, não sei se pela reacção aos abusos de outros tempos, se pelo ritmo do trabalho masculino que leva muitos homens a viverem longos períodos de tempo afastados da sua família, se até mesmo pela ascensão social da mulher que ainda não encontrou o equilíbrio devido. Os casais novos começam a esboçar um novo estilo.
A primeira ausência radical do pai manifesta-se na vida humana resultante da técnica da fecundação artificial. Em 1948 calculava-se em 20.000 o número de crianças nascidas nos Estados Unidos por fecundação artificial. Daí a técnica passou para o Reino Unido e hoje está divulgada por todo o mundo.
A técnica da inseminação artificial separou na mais íntima relação humana a união das pessoas e a fecundação humana, possibilitando uniões sexuais sem amor nem fecundação e fecundações sem qualquer união pessoal, escondendo na sombra do anonimato total a pessoa do pai reduzido a um dador de sémen, a quem custa chamar pai. Sente-se que a vida humana daí resultante «não tem pai» e pergunta-se se os filhos nascidos dessa tecnologia não sofrerão traumatismos psíquicos. É que, quando se pergunta a uma criança se ela gosta mais do pai ou da mãe, é habitual ver esboçar um sorriso de ternura acompanhado do desabafo de que gosta de ambos. De facto, não é saudável andar na rua sem possuir qualquer referência à pessoa do pai, ainda que distante, com a sensação de ser mero produto de uma máquina de sementes. É verdade que nas terras que foram teatro de guerra há casos análogos pelas aventuras dos militares, mas, mesmo assim, há uma referência genérica ao tipo de homens e ao carácter forçado das situações, e esses caso servem de advertência para a anormalidade das situações, ao passo que, na inseminação procurada, tudo se fez para esconder o rosto de metade do mistério da pessoa. Esta anormalidade para o futuro da criança é também uma anormalidade para o homem sadio: assim como uma criança deseja ter o «seu» pai e a «sua» mãe, o desejo profundo de um homem, dizia em 1949 o Dr. Biot, não é «produzir vida», mas ter o «seu» filho, o «próprio» filho. Por isso se compreende que a Igreja reprove totalmente a aplicação ao ser humano da fecundação artificial, pelo que ela representa de desumanização da vida sexual e da filiação, e rejeite o pretenso direito ao filho como quem tem direito a uma «coisa».
No outro extremo, é uma rejeição total do pai a triste lei do aborto que acaba de ser aprovada em Portugal e cuja formulação, no mais violento feminismo, tudo parece confiar à mulher, reduzindo a zero a pessoa do pai.
Mas a mais frequente manifestação da ausência do pai manifesta-se na educação dos filhos, confiada frequentemente aos cuidados da mãe. Nos primeiros anos a criança é totalmente entregue à mãe, a ponto de a palavra matrimónio significar exactamente função de mãe. Mas já aí a segurança e estabilidade afectiva da mãe é muito condicionada pela presença afectiva do pai no coração da esposa, um circuito afectivo profundo que os psicólogos não se cansam de referir. «Em qualquer momento, na gravidez e no decurso do crescimento dos filhos, escreve o psicólogo Georges Bastin, a influência indirecta do pai é fundamental. O trabalho da mãe é frequentemente esmagador e ela precisa de encontrar no amor conjugal a força necessária para fazer o trabalho. A criança tem de sentir na mãe a presença do pai pela segurança e pela confiança que ele traz à esposa e pela feminilidade irradiante da mãe: o petiz tem de encontrar à sua frente não uma mãe que polarize sobre si toda a vida emotiva – seria um abafador –, mas uma mãe disponível e uma mulher afectivamente desabrochada».
Vem depois a influência directa do pai sobre o filho, influência marcante. Na relação dual mãe/filho, uma relação de intimidade e algo fechada, o pai introduz um novo elemento: um mundo de matriz mais psicossocial e cultural, o mundo exterior, o mundo dos valores sociais que o pai traz consigo, a estabilidade, a firmeza e a segurança. O pai é o símbolo do Poder, do Dever e da Lei. A carência da autoridade paterna cria no filho um vazio que nem a mãe consegue cumular».
Essa presença do pai estende-se ao plano sexual: o pai, assim como é o símbolo da autoridade e da lei, surge concretamente como o protótipo do «homem», o varão. O futuro sexual do menino e da menina depende parcialmente do pai e do papel que desempenha no casal. Ditador ou fraco prejudica a virilização do rapaz e apresenta à filha a imagem do «homem» ou excessivamente atemorizante ou pouco viril». No cortejo nupcial é habitual ser ao pai a conduzir a filha ao altar, e quem algum dia assistiu à profissão religiosa de uma jovem mulher não esquecerá o sentimento de alegria e segurança que ela manifesta pela presença e concordância do pai na sua decisão.
Todos estes mecanismos psicológicos se reflectem, portanto, na educação da fé dos filhos. No Ocidente, a partir do séc. XVIII, o homem deixa frequentemente a educação religiosa dos filhos aos cuidados da mãe. Diz o teólogo alemão Haring que isso representa um desastre na concepção e vivência da fé do jovem: uma fé reduzida aos aspectos afectivos e devocionais, intimista, uma oração suplicante e de aflição, uma religião onde falta o travejamento lógico e doutrinário, uma fé sem Igreja, aquilo que poderemos chamar a catolicidade e a força da organização eclesial. Claro que há excepções, sobretudo quando a mãe teve um bom pai cristão, e, na ausência da capacidade religiosa do marido, ela vai buscar à sua memória de filha os gestos do seu próprio pai que tenta transmitir aos filhos. Faz de mãe de pai!
No dia do PAI será oportuno, cada um rever o seu percurso humano e religioso, fixar a influência dos homens que encontrou na sua vida, incluindo o tipo de vivência religiosa, e talvez possa perceber melhor o seu próprio perfil e aquilo que deve transmitir aos filhos. Da minha parte fico a pensar nas tradições religiosas das famílias de Trás-os-Montes e Alto Douro e nos jovens que caminham para o casamento.
* Bispo de Vila Real