Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2024
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O Papa, Sucessor de Pedro

1 – Amanhã faz 83 anos de idade o Papa bento XVI. Assinalando a data, continuamos as reflexões iniciadas na semana passada sobre o seu ministério na Igreja.

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Por influência da comunicação social, zelosa das características individuais e da proximidade, generalizou-se o hábito de designar o Papa pelo seu apelido familiar e, assim, fala-se do Papa Ratzinger (Bento XVI), do Papa Wojytila (João Paulo II), do Papa Luciani (João Paulo I), do Papa Montini (Paulo VI), do Papa Roncalli (João XXIII), do Papa Pacelli (Pio XII), para citar aqueles que conheci.

A Igreja, na sequência do Evangelho, faz o contrário: deixa na penumbra as raízes familiares dos Papas e dá-lhes um dos nomes dos primeiros Papas (Pio, João, Leão, Paulo, Bento, Gregório, etc), sem proibir o recurso a nomes novos, como fez o cardeal Albino Luciani ao juntar dois nomes para o seu título de «João Paulo I». A mudança de nome destina-se a sublinhar que o ministério do Papa é de ordem sobrenatural e não deriva da carne nem do sangue. Assim procedera Jesus em relação a Pedro, cuja fé na divindade de Jesus «não lhe fora revelada pela carne nem pelo sangue, mas pelo Pai que está nos céus». Essa mudança de nome tem antecedentes bíblicos: ao escolher Abrão para fundador do antigo povo de Israel, Deus mudou-lhe o nome para «Abraão», e o de sua mulher Sarai para «Sara»; mais tarde Jacob seria chamado «Israel» e, já na época cristã, Saulo passaria a chamar-se «Paulo».

2 – O nome de «Pedro» ou «cefas» ou «rocha» dado a Simão designa o seu ministério de fundamento da unidade da Igreja de Cristo. A consciência desse ministério na primeira comunidade cristã ressalta da relevância dada a Pedro, citado 114 vezes nos Evangelhos e 57 nos Actos dos Apóstolos. Umas vezes aparece como representante de todos os Apóstolos; outras vezes, de toda a Igreja; entre os Apóstolos, é o porta-voz das questões levantadas pelos outros Apóstolos; e, pelos de fora, é tomado como representante do grupo. O testemunho de Pedro teve sempre especial significado: ao falar da ressurreição de Jesus, os evangelistas, depois de citarem outros testemunhos, sublinham como decisivo que «Jesus apareceu a Pedro»; S. Paulo, após a sua conversão, subiu a Jerusalém para falar com Pedro e ficou com ele quinze dias: o próprio conflito que, mais tarde, teve com Pedro em Antioquia por este se negar a comer com os pagãos na presença dos judaizantes, quando antes comera com os pagãos sem quaisquer restrições, revela, afinal, a importância que Paulo atribuía ao exemplo de Pedro.

3 – Reconhecido o papel de líder de Pedro na primitiva comunidade cristã, alguns teólogos protestantes quiseram dizer que esse papel era pessoal e destinado ao grupo daquele tempo. Não é assim: a Bíblia e a história demonstram que se trata de um ministério institucional, para a Igreja de sempre, e que o herdeiro desse ministério de Pedro é historicamente o bispo de Roma. São duas questões diferentes e fundamentais.

Os biblistas reconhecem hoje que os textos bíblicos falam do papel de Pedro como algo institucional, um ministério duradouro. Simão não era, por feitio, uma «rocha», nem firme nem calmo, mas, pelo contrário, era emotivo, instável, medroso. Por isso, quando Jesus chamou a Simão «pedra» ou «rocha» não se podia referir a algo pessoal mas fundacional, um gesto muito diferente do que teve com Tiago e João ao apelidá-los de «filhos do trovão»: aí sublinhou um temperamento, criando uma alcunha que, afinal, não duraria. Aquele ministério de «rocha» como sinónimo de governo é confirmado por outra expressão usada na mesma ocasião: «dar-te-ei as chaves», expressão que possui na tradição bíblica e cultural o sentido de poder e de governo (Is 22,22). O «ministério de Pedro» inclui três coisas: «eleito por Jesus», «testemunha da ressurreição», como aconteceu com todos os outros Apóstolos, incluindo S. Matias, e portador de uma «missão especial», exclusiva de Pedro.

4 – Este ministério de Pedro não o isolou dos Apóstolos. Estes formavam um grupo, o chamado colégio dos «Doze», mesmo quando eram onze por abandono de Judas ou treze pela eleição de Matias e inclusão de Paulo. Pedro é a cabeça desse colégio, sendo o único Apóstolo com sucessores pessoais. Todos os outros Apóstolos têm sucessores colectivos, isto é, os bispos sucedem «colegialmente» ao «colégio dos Apóstolos», sendo o Papa a cabeça desse «colégio episcopal».

Historicamente, Pedro começou por exercer o seu ministério em Jerusalém entre os cristãos vindos do judaismo, passou depois a Antioquia, e mais tarde, veio para Roma Esta deslocação obedeceu a uma decisão pessoal, influenciada certamente pelo facto de essa cidade ser na altura a capital do Império e centro do mundo conhecido. Aí foi martirizado antes de Paulo e sepultado. Por essa memória, os sucessores de Pedro são os bispos de Roma. Documentos históricos, como uma carta de S. Clemente (3º sucessor de Pedro, a seguir a Lino e Cleto, no final do séc I) e depoimentos de historiadores seguintes, demonstram essa constante.

Os primeiros sucessores de Pedro foram todos mártires. Hoje surpreende-nos o atentado sangrento a João Paulo II, o martírio que sofreu Paulo VI, a ameaça que pairou sobre Pio XII em Roma, e o ataque actualmente organizado contra Bento XVI. Nada disso é inédito.

Teoricamente, podemos imaginar o Papa a residir numa cidade diferente de Roma, mas tal hipótese é praticamente impossível, dadas as estruturas de governo estabelecidas em Roma. Pio XII foi convidado a sair de Roma quando Hitler mandou ocupara a cidade, mas acabaria por permanecer em Roma.

5 – O exercício do poder do Papa conheceu ao longo da história muitos estilos e pormenores, nem todos edificantes. No início, a Igreja era uma pequena comunidade, dispersa pelas margens do mar Mediterrâneo e não se pensava em ter núncios ou cúria romana, nem na ambição das famílias romanas e dos poderosos do mundo. Aquelas estruturas nasceram normalmente com o crescimento da Igreja. A Igreja cresceu extraordinariamente como a semente evangélica que se fez árvore e que estende os ramos pelo mundo. Estes vinte séculos de história fizeram nascer na colina do Vaticano uma riqueza monumental em prédios, obras de arte e documentos de valor incalculável. É o aluvião da história. Tais monumentos, mais que fontes de rendimento, são frequentemente causa de grandes preocupações. Quem possui alguma casa antiga, capela ou igreja sabe que tais bens são um encargo. A manutenção do património do Vaticano faz-se, muitas vezes, pela ajuda de grandes empresas internacionais a troco de alguma publicidade ou reserva temporária de registo fotográfico. Assim aconteceu com a limpeza da fachada da basílica de S.Pedro por ocasião do Ano Santo no ano 2000 e, mais recentemente, com o restauro interior da Capela Sistina por uma empresa japonesa. Estes pormenores são alheios ao ministério do Papa, mas é bom recordá-los, pois há sempre alguém pronto a fazer remoque com isso.

Em resumo, o Papa Bento XVI, sendo um mestre de teologia e chefe do Estado do Vaticano, não vem até nós nessa condição, mas como Vigário de Cristo na terra, Cabeça do colégio dos bispos, Pastor supremo da Igreja enviada ao mundo. Assim o vê o povo cristão, assim o sentia a Jacinta, assim o diz a «Nota Pastoral do Episcopado Português» de 1 de Março de 2010: «A nossa tradição cristã está marcada pelo respeito, apreço e fidelidade à Igreja de Roma. A cátedra de Pedro e dos seus sucessores é «aquela que preside à caridade» entre todas as igrejas locais».

 

 

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