Os temas eram ligados à fonte da aldeia, onde os encontros entre namorados eram frequentes e muito esperados. O povo cantava e rezava, impunha-se nas suas simplicidades e nas suas brejeirices… danças de roda, de maldizer da mulher para o homem, a lembrar o tempo dos trovadores e o homem teimando-se nos versos atacava quando podia com um velho refrão: “dá-me um beijo linda, dá-me um beijo dá, dá-me um beijo linda, vira-te para cá…”
Havia cantigas de roda para muitas situações na relação homem mulher, quando ambos laboravam nas escamisadas das terras do mesmo patrão, isto quando havia autorização para a mocidade se divertir e fazer uma brincadeira pela noite dentro, sem escandalizar os vizinhos… era um bailarico comandado pelo próprio canto… “fui ao campo às flores, numa cestinha no braço. Encontrei o meu amor, ai Jesus daqui não passo. Anda lá para diante ou retira-te do caminho, quem vai para amar Deus, não vai assim tão devagarinho…”
No largo da aldeia, o Ti Zé do Fundo, o Ti Jaquim da Venda, o Zé da Carriça, o Zé da Jumenta fumavam restos de cigarros esfarelados e sentados num banco de pedra saboreavam os restos do sol doente de inverno distraindo-se também com as brincadeiras dos cães e da canalha que faziam rolar arcos de pneus escangalhados…
No mês de maio havia a sacha do milho e esse trabalho era feito por ranchos de mulheres com leiras lado a lado, com enxadas rasas e bons dedos para arrancar a milhã, sem magoar o milho… durante o trabalho, os ranchos iam cantando várias cantigas, umas em desafio, outras dedicadas aos patrões, outras ainda apenas para alegrar e ajudar a passar o tempo, diminuindo o esforço da azáfama.
De vez em quando o aguadeiro fazia passar o barril da pinga ou a cabaça, para dessedentar as trabalhadoras e permitir uma pausa para endireitar as costas. Por vezes o almoço e a merenda eram dados pelo dono e quem as trazia era a patroa na sua poceira branca à cabeça. À noite despegavam e voltavam para casa, cantando toadas soltas pelo caminho… “Lá vem a poceira, lá vem a patroa. Deus queira que ela traga uma merenda boa,” cantava uma delas ainda a saborear a farta posta de bacalhau que comeu e uma pinga de arregalar o olho, tão grande que dentro da saca levava quase metade para o homem tolhido pelas bebedeiras e os dois fedelhos que em casa esperavam pelo petisco… nos anos 50, no mês de janeiro, tocava o búzio e um rancho de gente partia para o Barreiro, perto de Guiães do Douro, para a apanha da azeitona e o grupo numeroso punha-se a caminho ainda as estrelas luziam no céu e os cães latiam dando sinal do barulho e das sombras. Esse trabalho de várias semanas era árduo sobretudo pelo frio e pela chuva, mas suportado por cantares alusivos à faina… “Adeus mulher, adeus casa, vou prá azeitona neste rancho azeitoneiro. Adeus! Adeus! Já toca o búzio, vou-me embora companheiro! Adeus, adeus!” Na despedida havia olhares perdidos, incertezas e miséria até que o trabalho da azeitona fosse pago…
Hoje a cultura popular quase não se pratica, porque este tempo está submetido às tecnologias mais avançadas e dentro de pouco é quase certo que iremos para qualquer lugar voando como pássaros, ou caindo das nuvens depois de nelas estarmos deitados…
Preservar a cultura popular, é como estar presente com o passado, condição forte para melhor encararmos o futuro com confiança. Reavivar as nossas tradições é importante como preservar com orgulho a nossa identidade, identidade que os nossos avós com dificuldades tamanhas souberam engrandecer na sua a riqueza humana e espiritual só comparada ao Menino Jesus que viveu e morreu só para nós e por nós!