2 – Os textos do Papa não são um discurso académico e cerebral, lições de um professor ou orientações secas de um pastoralista, mas testemunhos do coração de um crente que meditou e reza pelo mundo actual.
Também não são torrentes afectivas de emoção, à margem da inteligência. Os textos do Papa supõem profundas reflexões teológicas, contêm análises atentas da sociedade actual, da história de Portugal antigo e recente, da complexidade da cultura moderna, mas tudo isso é enquadrado na perspectiva de quem rezou sobre os factos. Deste modo, revelam estudo mas ultrapassam o professor. Bento XVI fala como uma testemunha de Jesus Cristo.
3 – Os discursos podem ser lidos isoladamente conforme os seus destinatários: a Vocação histórica de Portugal, a Cultura e a história, a Mensagem de Fátima, os Pastores da Igreja e os Consagrados, o Apostolado social, a Missão da Igreja. E podem ser lidos transversalmente, encontrando neles seis ideias centrais: Portugal na Comunidade europeia, os paradoxos da Cultura moderna, a perenidade da Mensagem de Fátima para a Igreja e o mundo actual, traços da nova Evangelização, o Diálogo como método pastoral, e, subjacente a tudo isso, a teologia da Ressurreição de Jesus Cristo, a Escatologia cristã, a Eclesiologia de comunhão, a Oração cristã e os Sacramentos.
4 – O estilo, de fôssemos a defini-lo, dir-se-ia que em todos os seus discursos o Papa entra logo no assunto, sem prolegómenos desnecessários, e a habitual saudação protocolar é incluída no corpo do discurso, transformada em elemento doutrinário.
O Papa não repete as ideias no mesmo discurso como quem faz catequese a fazer apelo à memória. Propõe e avança, supondo haver nos destinatários vontade de aprender, de reflectir e de sentir.
A exposição é feita num clima de profunda afectividade, que dá calor à teologia sobre Jesus Cristo, a Igreja, a Escatologia, a Redenção, a Mensagem de Fátima, e aos compromissos sociais, aos dados da sociologia e da cultura. Mais que aristotélico, o discurso é agostiniano.
Tudo isso se exprime em vocábulos escolhidos, e sem adjectivos barrocos. Por causa desta densidade pascal, todas as palavras são importantes, e os discursos dão a aparência de leves e breves, apetecendo pedir-lhe que fale mais.
Não falta a arte de dizer, ainda que ela esteja sempre ao serviço da mensagem e do ouvinte, nunca cultivando a arte pela arte: o Presidente da República é tratado com a deferência merecida sem faltar um traço afectivo; na saudação aos agentes da cultura no Centro Cultural de Belém, salta da evocação dos portugueses «navegadores do oceano» para os cientistas e artistas portugueses como «navegantes do Bem, da Verdade e da Beleza» e convida-os a fazerem das suas vidas «lugares de beleza» e todas as pessoas a «olhar para as coisas últimas» e não somente para as «penúltimas», ultrapassando assim os aspectos economicistas e lucrativos que ameaçam a arte e a cultura actuais, prisioneiras do útil e tecnocrata; em Fátima, na bênção das velas, define a assembleia de velas acesas como «um mar de luz à volta desta singela capelinha», e, para lembrar a universalidade da redenção, incluindo Nossa Senhora, afirma que «nem Ela nem nós gozamos de luz própria»; na homilia do dia treze, apresenta-se como peregrino e repete cinco vezes em forma progressiva o «vim» do caminhante: «vim» para ouvir Maria, «vim» para me congratular, «vim» para sentir a Igreja, «vim» para confessar a fé, «vim» para pedir pelo Clero; na despedida do Porto, recorre à linguagem familiar de quem pede desculpa por não poder aceitar o convite de permanecer mais tempo e se despede com mágoa.
Em todos os textos, o Papa não usa uma única vez a palavra «relativismo», ele que desde sempre vem sendo o campeão na denúncia desse desvio da cultura moderna, mas, tratando-se de um tema de escola e opaco para muita gente, prefere falar da «perenidade» de Jesus Ressuscitado, da «fidelidade» dos Padres e Consagrados, e da «fortaleza» dos cristãos.
Quem já conhecia os livros de Bento XVI encontra nos seus discursos a sua teologia, a sua linguagem e o seu esquema de pensamento, mas não deixa de admirar a capacidade de a transmitir às multidões de forma tão bela e aparentemente tão simples.