Terça-feira, 3 de Dezembro de 2024
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Os livros não ofendem

Algumas editoras, pelos vistos muito vulneráveis às sensibilidades da sociedade atual, estão-se a dar ao trabalho de reescrever alguns livros, em nome de uma linguagem mais inclusiva e que não ofenda ninguém.

Em muitos casos, os autores já morreram e deve perguntar-se se é legítimo mudar uma obra literária, ainda para mais numa época em que há excesso de zelo pelos direitos de autor. Proclamamos aos quatro ventos que já somos uma sociedade mais aberta e tolerante, e depois não conseguimos ler obras literárias que não estejam alinhadas com o ar dos tempos e com as nossas mentalidades!

Uma obra literária é um documento histórico, que reflete a linguagem e os valores da época. As obras literárias têm valor também porque nos contam um tempo, com a sua forma de pensar, as ideias dominantes, os seus conceitos e preconceitos. Os livros históricos e científicos estão sempre sujeitos a novas descobertas e a novos dados e estão sujeitos a atualizações e a reformulações, mas as obras literárias têm um cunho e uma identidade muito própria, são expressão de um escritor, que viveu no seu tempo e na sua circunstância.

Reescrever livros e mudar a sua linguagem reflete uma sociedade frágil emocionalmente, que se ofende por tudo e por nada, que não sabe viver com o contraditório, e que está vergada a uma ideologia dominante, que acha que tem o soberbo direito de purificar e higienizar tudo que não encaixe na sua esplendorosa forma de pensar e de ver a vida e o mundo. Por outro lado, significa uma promoção da infantilização das pessoas, que, afinal, coitadas, não sabem ler livros, não sabem contextualizar ideias e linguagens, não sabem ser críticas daquilo que leem, coitadas, temos de lhes fazer a papinha toda para não ficarem ofendidas. Se assim é, se não sabem ler livros que as desacomodam e questionam, que as fazem ter olhares diferentes e conviver com visões e sensibilidades diferentes, têm um bom remédio: ler os livros que vão de encontro à redoma em que vivem e querem continuar a viver, que as fecha no seu mundinho pequenino e cómodo em que querem viver, onde nada ofende a sua suprema sensibilidade. Fica o conselho do Senhor Francisco Louçã: “Se pensa que a sua criança vai ser protegida numa redoma de modo a nunca ouvir a palavra “gorda”, talvez tenha que a fechar em casa sem ver ninguém e sem nunca ler um livro.” Haja espírito crítico. Não é a riscar e a reformular aquilo que não gostamos de ler e ouvir que nos vai ajudar a crescer como pessoas.

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