Assim prosseguiu o senhor Bispo na Sé, na tarde do Domingo passado, as conferências quaresmais sobre o Ano Sacerdotal.
O «sacrifício» é o acto sagrado da oferta a Deus de algo que se possui, expressando assim a total soberania de Deus e o desejo pessoal de passar para junto de Deus. Lembrou o santuário pagão de Panóias, perto de Vila Real, onde é possível observar na rocha os sulcos do derramamento de sangue das vítimas.
As ofertas são constituídas por produtos da terra, azeite, animais e até pessoas. Na Bíblia excluíam-se sacrifícios de pessoas. O Antigo Testamento lembra o caso de Abraão que, influenciado pelo ambiente dos povos vizinhos, pensou imolar o filho Isac, tendo um anjo sustido a mão de Abraão no momento em que ia vibrar o cutelo sobre o filho Isaac. Casos isolados como o de Jefté, um general que num excesso de fervor vitimou a própria filha, aconteceu numa altura de grande confusão doutrinária e política dos Hebreus, o chamado tempo dos juízes.
Os primeiros frutos ou primícias são os que melhor exprimem esse amor. Nuns casos eram destruídas e até queimadas, a fim de exprimir o reconhecimento absoluto de Deus (eram os holocaustos); outras vezes eram dadas em refeição (sacrifícios de comunhão e de reconciliação); outras ainda de expiação, enviando um animal para o deserto carregado das culpas do povo (era bode expiatório).
A Bíblia e os autores como Santo Ireneu explicam que os sacrifícios na Bíblia tinham uma função educativa imediata e à distância: a um povo saído da escravidão era preciso educar para a união a Deus, para o respeito pela vida e para a vida fraterna, e daí que se incluísse tudo o que está relacionado com a actividade sexual vinculada à origem da vida e à proibição do incesto. Os sacrifícios educavam ainda para a vida em paz com os outros e para a generosidade. Só podiam oferecer-se coisas e animais perfeitos e saudáveis e nunca os mutilados, deficientes, vítimas de acidentes ou de feras.
O objectivo último era levar o oferente a oferecer a sua vida diária, a dignificação do comportamento pessoal, objectivo que só mais tarde com Jesus se conseguiria. Os desvios frequentes foram o comércio das vítimas em volta do Templo, a vaidade de medir o valor do sacrifício pela quantidade das coisas oferecidas, a ritualização do sacrifício sem implicação da pessoa ofertante, desvios repetidamente condenados pelos profetas. Na cena dos vendilhões do Templo Jesus terminou com esse culto e instaurou o culto novo «em espírito e verdade», praticado em qualquer parte e não somente em Jerusalém, como explicou à Samaritana.
Convém advertir que a «violência» e a «destruição» não fazem parte essencial do sacrifício. A própria palavra «sacrificar» directamente significa «fazer uma coisa sagrada», dando-a a Deus. Tudo isso é independente do sofrimento ou da sua destruição da coisa oferecida. É certo que, dada a nossa natureza, egoísta e comodista, a dádiva de algo valioso implica quase sempre o sofrimento do ofertante, mas o valor do «sacrifício» radica no amor do ofertante, podendo o sofrimento do ofertante ser o sinal externo do seu amor (Albert Vanhoye).
No caso de Jesus, nunca falou do «sacrifício» da sua vida nem de ser «sacerdote». Falou muitas vezes da «oferecer» a sua vida, de «dar a vida» e recuperá-la. Essas expressões devem entender-se como sinais do novo culto, de um sacrifício novo e de um novo sacerdócio, aspectos a desenvolver no próximo Domingo.