Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024
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“Pátria dos Dólmenes” submersa pelas Barragens

Parte significativa do património arqueológico, cultural e mesmo religioso dos concelhos de Vila Pouca de Aguiar, Ribeira de Pena e Chaves, será “afogado” com a construção das quatros barragens da “cascata do Tâmega”. Além do reflexo negativo que terá no ambiente e na actividade socioeconómica das populações, poderá provocar danos irreparáveis nos valores patrimoniais dos três concelhos.

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Em Vila Pouca de Aguiar, na zona da Lixa do Alvão, conhecida como “Pátria dos Dólmenes”, num conjunto de dez monumentos (antas e mamoas), cinco dos quais, denominados “Chã das Arcas”, ficarão submersos. Está em risco de desaparecer do mapa um dos monumentos megalíticos mais impressionantes de Trás-os-Montes, classificado como Monumento Nacional desde 1910. Em Ribeira de Pena, a bonita capela de Manscos, a ponte de arame, o roteiro pedestre camiliano e a “ilha dos amores” serão também afectados. Na zona de Vidago, pontes romanas e um conjunto de moinhos de água terão a mesma sorte. Além disto, desaparecerão alguns dos rios de montanha de maior riqueza salmonídea (truteiros) do distrito de Vila Real e mesmo do Norte do país. Várias vozes se têm levantado para a realização de um novo estudo de impacto ambiental, pedem mais contra-partidas financeiras para as populações e até questionam a rentabilidade do próprio empreendimento. As sessões sobre o EIA realizaram-se em alguns concelhos, mas em Ribeira de Pena, naquele que terá mais área inundada e cerca de 50 casas submersas, não houve nenhuma sessão por parte da Agência Portuguesa do Ambiente.

O presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, Domingos Dias, tem sido uma das vozes que tem contestado o EIA. O autarca assume, sem complexos, as suas preocupações relativamente às consequências da Barragem de Gouvães da Serra no património arqueológico existente. “Temos um local classificado como Monumento Nacional, designado Chã das Arcas, que pode desaparecer. É um conjunto de elementos rochosos megalíticos, Antas e Dolmens que, como não sabem nadar, vão ficar também submersos. Depois existem várias sepulturas medievais, naquela zona do Alvão, classificada no século passado como a pátria dos dólmenes, que serão “afogadas”. Este conjunto é um dos pólos turísticos atractivos do concelho e uma mais-valia em termos de património arqueológico. Tudo isto está em risco”. O autarca garante que “o município não tem meios, nem pode salvar os monumentos megalíticos. Mas, há uma hipótese remota para serem transferidas algumas antas e mamoas, já que as sepulturas serão impossíveis de transferir”, realçou. Ao que apurámos, a albufeira da Barragem de Gouvães da Serra atingirá também um circuito pedonal praticamente criado, e um outro está em curso, destinados à visitação dos monumentos. “Estamos a ultimar o processo para depois fazer a candidatura a fundos comunitários. Mais um prejuízo que nem sequer é acompanhado de uma proposta com medidas que sejam suficientemente compensatórias do mal que vai ser causado com a destruição destes monumentos”. É nesta perspectiva que Domingos Dias exige contrapartidas pelo desaparecimento de elementos patrimoniais, nomeadamente com a valorização de outro património arqueológico do Concelho, como as Minas Romanas e os Castros. “Devia ser feito um projecto de desenvolvimento sustentado, que servisse o desenvolvimento local, nomeadamente com a criação de uma estrutura permanente a dedicar-se ao património, à sua valorização e divulgação turística, de modo a criar, no concelho, emprego para jovens recém-licenciados.

O projecto turístico “Pena Aventura”, situado na zona de Lamelas, em Ribeira de Pena, poderá sentir alguns efeitos. “A zona vai ser atravessada com um grande viaduto e condutas de água, que vão destruir totalmente a actual paisagem e beleza natural”.

O autarca chama a atenção para uma outra consequência sobre a floresta e zonas de lazer. “A barragem do Alto Tâmega vai afectar uma das zonas mais bonitas e com as melhores condições da Europa para a produção de pinheiro bravo. É evidente que isso vai ter influência nas zonas de lazer existentes, nos cursos de água, na irrigação de terrenos, que vão deixar de se poder utilizar e isso terá consequências sociais e culturais muito gravosas para a população.

Domingos Dias estabeleceu algumas comparações com o que se passou no Côa. “Em Foz Côa, as gravuras que foram descobertas poderão ter um outro valor arqueológico, mas, em ambos os casos, trata-se da herança que nos foi deixada e que pode servir para estudar o que foram os nossos antepassados”.

No concelho de Ribeira de Pena, algumas jóias da coroa patrimoniais podem ser afectadas. Uma delas é a capela antiquíssima de Santa Barbara da Casa Rural, na aldeia de Manscos. Se a barragem de Padroselos não for construída, a cota da Barragem de Daivões pode ser alterada e a albufeira inundar este antigo local de culto. Também a ponte pênsil em arame, que une Santo Aleixo de Além Tâmega a Salvador, será afectada (o município de Ribeira de Pena está a estudar um meio de a transladar, mas, para já, não passa de uma hipótese). Esta ponte tem várias particularidades, uma vez que está suspensa por arames retorcidos sobre si mesmos, num comprimento de quase 20 metros. A força de suspensão enterrada nas fragas, em ambas as margens do rio Tâmega, oferece a garantia de segurança na sua travessia. A “ilha dos amores” e alguns troços pedestres do roteiro camiliano desaparecerão igualmente. Todas estas preocupações não têm tido eco por parte da Iberdrola. Os autarcas acusam mesmo a empresa de ignorar as suas pretensões e a adoptar uma “política de terra queimada”.

“A Iberdrola limita-se a apresentar um projecto em que tudo é feito em função da rentabilidade. Irão colocar inertes nos nossos melhores lameiros para a produção de gado, irão utilizar as estradas e poderão destruí-las, independentemente de ser ou não o melhor trajecto, irão criar novas pedreiras. O Concelho de Vila Pouca de Aguiar tem cerca de sessenta explorações pedreiras, ainda vão criar mais pedreiras para tirar pedra. Não se percebe isto! A Iberdrola não tem neste momento contactos directos com o Município. Houve sim, algumas acções em Tribunal que a Câmara ganhou, nomeadamente por estarem a ser feitos trabalhos sem nos terem ouvido ou consultado sobre a realização desses trabalhos”, contou Domingos Dias.

Por fim, deixou no ar uma interrogação. “Efectivamente eu não sei se o valor de produção de energia, neste caso, se deverá ou não sobrepor ao valor que têm os monumentos históricos que existem!”.

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