O mundo pediu, ela voltou, ela veio para ficar e brindar-nos com esta desfaçatez altiva, mulher indomável e com uma franqueza de impressionar os mais desatentos seres.
De sorriso estampado na face, as palavras saem-lhe com reclamação e ironia de quem vê a sua fotocópia (talvez) lavar a loiça como se lavasse a roupa no rio Douro, como era prática comum há uns bons aninhos.
Parecia uma tresloucada, sempre elétrica como de miúda, agarra-se ao esfregão convictamente de que aquela gordura era toda ela passageira num segundo fugaz. E era. A bem ou a mal, aquela asquerosa liquidez de tez acastanhada desvanecia em escassos segundos. A problemática aqui envolvida não era somente o atabalhoamento em que o ofício era realizado, mas também a velocidade, a atroz rabugice com que executava a tarefa e a franca avidez de quem devorava pratos, copos, talheres e panelas que, depois, desencadeava no mesmo de sempre: camisola toda ela encharcada, como se regressasse de um filme romântico do Nicholas Sparks após uma saída romântica chuvosa. Que fastídio! Sempre a mesma, sempre a mesma! Faz isso devagar! Ainda partes um prato, um copo!
Todo o ritual se repete, se repete e se repete. Não fossem as rotinas todas elas, praticamente, repetidas.
Exaurida e regressada de um dia prolongado e extenuante de trabalho, consciente da ociosidade da filha, ela diz placidamente, como quem não quer a coisa:
Oh, filha, eu hoje não lavo a loiça. Amanhã é a minha folga, lavo amanhã quando acordar.
E a filha já sagaz de tal discurso igualmente perspicaz, deteta-lhe ali a ânsia da sua disposição e a órbita de quem propõe que ela se chegue à frente. Depois, claro, responde.
Numas vezes tenta ser uma palhacinha, sabendo que a mãe costuma entrar sempre na brincadeira (a menos que chegue mesmo muito cansada e não fosse ela a pessoa que mais coisas estapafúrdias ouve da filha) e diz:
Epá, então somos duas a não lavar! Fica para a próxima, não é.
Outras vezes, lá se resigna ao escapamento de não fazer nada da vida, lúcida de que os bons dias vazios cessarão em breve, e diz:
Vá, eu lavo! Não te preocupes. Ajuda só a limpar os pratos.
Ah, e mãe, eu espero que essa tua previsão esteja completamente errada.