Segunda-feira, 2 de Dezembro de 2024
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Procissão do Calvário e do Corpo de Deus: que fé? Que religiosidade?

Hoje, vive-se um tempo de profundas mudanças, quer ao nível cultural, social e económico, quer, também, ao nível religioso. Neste último domínio, a prevalência de uma cultura laicista, de sabor anti-clerical, permite que se caminhe, a passos largos, para um significativo aumento da indiferença religiosa, assim como para um acentuado relativismo moral. A força avassaladora […]

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Hoje, vive-se um tempo de profundas mudanças, quer ao nível cultural, social e económico, quer, também, ao nível religioso.

Neste último domínio, a prevalência de uma cultura laicista, de sabor anti-clerical, permite que se caminhe, a passos largos, para um significativo aumento da indiferença religiosa, assim como para um acentuado relativismo moral. A força avassaladora desta dinâmica cultural acaba por influenciar, de certa maneira, a prática cristã, afectando, mesmo, as estruturas da própria sociedade.

Socialmente, vai-se difundindo uma mentalidade inspirada neste laicismo que, de forma mais ou menos consciente, leva gradualmente ao desprezo, ou à ignorância, do sacro, relegando a fé para a esfera do meramente privado. Este contexto social e religioso parecem justificar os baixos índices de participação nas práticas religiosas e litúrgicas. Não fora a confiança que temos no Senhor Deus, que cremos nos conduz para um final feliz, e a Igreja teria motivos sobejos para viver permanentemente angustiada e desanimada…

Há, contudo, manifestações públicas de fé, ou religiosidade, que nos fazem questionar seriamente, dada a aparente contradição entre a fé que dizem professar e a vida que praticam, aqueles milhares de pessoas que, determinadas e convictas, nelas participam fervorosamente. Refiro-me, concretamente, às procissões do Corpo de Deus e, sobretudo, do Calvário.

Todos estamos de acordo que estas procissões constituem, cada uma delas, a maior mobilização espontânea de pessoas, que se leva a efeito na nossa cidade. Nelas vemos pessoas comprometidas com movimentos paroquiais e diocesanos; contudo, o grosso da coluna é composto por pessoas para quem a Igreja e a celebração dos actos litúrgicos nada dizem… De facto, dificilmente, ou nunca, se vêem na Igreja, ou numa Eucaristia, muitas das pessoas que, até, se descalçam e, levando uma, ou mais, velas na mão, caminham de cabeça erguida pelas ruas da cidade, sem qualquer ressentimento ou constrangimento!.. Isto é francamente admirável e, simultaneamente, questionável!..

Será que a mensagem da Igreja não chega ao ouvido e ao coração do homem?

Ou será que este homem está tão escravizado e alienado, que não é capaz de relacionar a Igreja com o corpo do mesmo Senhor do Calvário?

Por quê acreditar num benefício divino deste Senhor crucificado e não acreditar que este mesmo Senhor está realmente presente na Eucaristia?

Seria um tema interessante para ser reflectido no interior da própria Igreja, sendo certo que o indiferentismo religioso e a tentação de uma fácil permissividade moral, assim como o ignorar de toda uma tradição cristã, com o seu rico património espiritual, influencia, decisiva e negativamente as novas gerações…

Mas, voltando ao nosso tema, sabemos que uma procissão se define como um acto de adoração comunitário a Jesus Cristo. A própria solenidade do Corpo de Deus é um convite à contemplação do sumo mistério da nossa fé: a Santíssima Eucaristia. Ela é o coração palpitante da Igreja, exactamente por ser presença real do Senhor Jesus Cristo. Assim sendo, será na Eucaristia que Ele deve ser adorado, por excelência… Mas, também é possível adorá-Lo fora da Eucaristia!.. É o que acontece em qualquer uma destas procissões… Essa adoração, continua e intensifica o que já aconteceu na celebração litúrgica, tornando, igualmente, possível o tão desejado encontro com o Senhor.

Jesus é, sem dúvida, o maior dom que Deus fez ao mundo… Os milhares de pessoas que se integram numa procissão destas, sabem disso e, por isso procuram o Senhor do Calvário; mas, também é bom que saibam que o propósito desta adoração pública é recordar-nos a centralidade de Cristo na nossa vida pessoal e eclesial… Aquela grande cruz que percorre as ruas da cidade, é sinal maior do amor de Deus pelo mundo e expressão de uma vida totalmente dada aos outros… É esse mesmo calor que Ele quer insuflar em nós, a fim de converter a nossa vontade e a nossa inteligência. Este é que é o verdadeiro significado da procissão!

Receio, pois, que estejamos em presença de um fenómeno, cada vez mais preocupante: o infantilismo religioso. Jesus compara a fé a uma pequena semente que se desenvolve até se tornar planta vigorosa; e S. Paulo compara a vida cristã a um bebé que cresce até se tornar adulto…

Fica feito o apelo a cada um de nós para que vejamos a fé como algo absolutamente necessário na nossa vida, mas que é chamada a crescer. Para isso, torna-se indispensável trabalhar o terreno onde é lançada; caso contrário, não germinará…

Para nos tornarmos cristãos adultos, necessitamos de escutar e meditar e Palavra de Deus, rezar, receber os sacramentos, nomeadamente a Eucaristia e a Penitência, e procurar viver de acordo. Só assim seremos fiéis à fé do baptismo.

Por outro lado, uma sólida formação religiosa constituirá uma protecção eficaz, ante o implacável avanço das seitas, ou de outros grupos religiosos de ampla difusão, que se verifica hoje em dia.

Que Nossa Senhora, mulher Eucarística, tão bem aclamada pela banda da Cumieira, este ano ao serviço da procissão do Calvário, nos introduza no segredo da autêntica adoração. Que por sua intercessão cresça em todos nós, que participamos nestas procissões, e em toda a Igreja, a Fé no mistério eucarístico, a alegria de participar da santa missa, especialmente dominical, e a coragem para testemunhar o incomensurável amor de Cristo.

 

* Mestre em Bioética Teológica

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