Na altura da visita, o Papa terá completado 83 anos de vida. Nasceu em Marktl am Inn, diocese de Passau, no sul da Alemanha, no dia 16 de Abril de 1927 e nesse mesmo dia foi baptizado. Era o Sábado Santo. Recebeu o nome de José e o sobrenome de Ratzinger, herdado do pai.
O pai era um comissário da polícia, um «modesto funcionário público», como ele próprio se apresentou ao fazer o anúncio do seu casamento, desejoso de encontrar uma mulher que fosse uma «boa cozinheira e costureira» e que encontraria na senhora Maria Peintner, com quem casou aos 43 anos de idade e se revelou uma mulher desembaraçada e viva. O primeiro fruto desse casamento foi uma menina, Maria (falecida com 70 anos de idade), o segundo é Jorge (padre, pastoralmente apreciador de música coral) e José é o terceiro filho, ordenado sacerdote aos 29.06.1951. Pelos seus dotes de inteligência foi orientado para o estudo da teologia e ensino universitário, quer em universidades do Estado quer da Igreja, sendo considerado uma «estrela». Durante o Concílio os bispos alemães levaram-no para Roma como seu conselheiro teológico.
Em 1969 regressa a Baviera, à Universidade de Ratisbona da qual foi Reitor. Em 1977 é eleito bispo pelo Papa Paulo VI e colocado na diocese de Munique e Freising. Logo a seguir é nomeado cardeal. Em 1981, João Paulo II chama-o a Roma e nomeia-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um ministério de extrema responsabilidade, por ter de promover e acautelar a ortodoxia da fé sobretudo nos Seminários, nas faculdades de Teologia, nas publicações científicas e nos meios universitários. Com esse ministério acumulou as tarefas de presidente de várias Comissões teológicas e de membro de outras Congregações pontifícias.
Ao 19 de Abril de 2005, após a morte de João Paulo II no dia dois, é eleito Papa, num dos conclaves mais breves da história e iniciou solenemente o seu ministério de Pastor da Igreja Universal em 24 desse mês.
2 – Aluno e companheiros de teólogos célebres, foi sempre afeiçoado à Igreja. Este pormenor não é supérfluo, pois a reflexão teológica, como qualquer ciência, pode constituir uma tentação de afirmação pessoal e de arrogância intelectual, como aconteceu a alguns colegas seus. O teólogo José Ratzinger dedicou a sua primeira trabalho académico ao estudo da Igreja tal como era apresentada por S. Agostinho, e isso reforçou nele a afeição à Igreja que já trazia da educação familiar. Manteve sempre esse afecto em ambientes atravessados por um complexo «anti romano». Da reflexão sobre a Igreja passou à reflexão sobre Jesus Cristo e a Santíssima Trindade. No Concílio Vaticano II (1962-1965) exerceu profunda influência na discussão teológica e na redacção dos textos conciliares. Por isso, conhece perfeitamente o percurso histórico do Concílio, o espírito e a letra dos seus documentos oficiais. Depois do Concílio, conheceu na Universidade de Tubinga os embates de alguns teólogos e exegetas alemães e, para universitários, proferiu uma série de palestras teológicas sobre o Credo que estão reunidas no livro «Introdução ao Cristianismo» (traduzido em português, na Principia).
Como Prefeito da Doutrina da Fé enfrentou as ondas da teologia da libertação da América Latina, a deturpação da oração cristã por um certo misticismo oriental, os chamados «desvios» do pós-Concílio levados a cabo por forças interiores e exteriores à Igreja, a hesitação no diálogo com as igrejas cristãs e com as outras religiões, os problemas levantados na área da vida humana pelo laicismo cultural e político generalizado na Europa e outros países evoluídos.
Esta característica de homem da reflexão é visível na apresentação física do Papa: um homem algo tímido (não medroso), de gestos típicos de quem não estava habituado a grandes multidões, voz débil de alguma fragilidade cardíaca. O seu discurso é simultaneamente conciso, denso, claro e simples, nascendo daí o seu vigor e não de apelos afectivos exteriores ao texto.
O estilo do Papa reveste–se do rigor alemão, mas não é um prussiano, antes um bávaro, da geografia de Mozart, afável e sensível à arte, capaz de executar no piano textos de Beethowen, como atestam os que com ele privam de perto. Vários teólogos chamados a Roma para explicarem as suas posições doutrinárias testemunham que sempre se revelou um homem de paz e de respeito pela pessoa. Na recente deslocação à Alemanha, o Papa fez questão de visitar privadamente a sepultura de seus pais e da sua irmã Maria que durante anos o havia acompanhado generosamente na Alemanha enquanto professor e, em Roma, como Prefeito da Doutrina da Fé, e que falecera repentinamente, em 1991, com 70 anos de idade, junto da campa de seus pais, no Dia dos Fiéis Defuntos!
3 – Esse profundo respeito pelas pessoas não o impede de ser intelectualmente corajoso, como revelou ao classificar o nazismo alemão de monstruosidade política, ao insistir nos direitos da razão humana no interior da fé no célebre discurso de Ratisbona, ao levantar a excomunhão pessoal de quatro bispos lefebvrianos sem os dispensar de repensarem a sua posição teológica, e ao criar uma estrutura teológica na Igreja para acolher os clérigos vindos do anglicanismo.
Todos os Papas trazem consigo o seu temperamento e variada experiência de sacerdotes e de bispos: experiência pastoral como S Pio X, diplomática e de vaticanista como Pio XI e Pio XII, diplomática e pastoral como João XXIII, vaticanista e pastoral como Paulo VI, académica e pastoral como João Paulo II, intelectual e pastoral como Bento XVI. Este Papa não possui o temperamento fogoso de eslavo nem o martírio da orfandade precoce e do regime comunista de João Paulo II, mas traz a experiência de uma vida familiar normal, do martírio do nazismo pagão e da anarquia da cultura posmoderna.
Numa época mais dada a emoções que a princípios, mais afeiçoada ao espectáculo que ao rigor doutrinal, Bento XVI é o pastor seguro nesta encruzilhada da história do mundo que se esqueceu do essencial.