Ao tentar redigir esta notícia, sinto dificuldade em fazer a síntese. Como acontece nos almoços festivos, onde há algo que não se consegue apanhar com o garfo e a colher (os odores, as cores e os sorrisos), há nas palestras subtilezas doutrinárias que só se captam bem nos esclarecimentos e apartes. Nem a leitura das conferências e dos textos escritos basta. Deixo a sequência dos trabalhos, algumas notas e afirmações.
2. O P. Anselmo Grun, beneditino alemão, com ar profético e de bardas mas lúcido e robusto, que se dedica a auxiliar padres (e alguns leigos) alemães psíquica e espiritualmente desorientados, apresentou em três palestras uma síntese desses problemas e insistiu que a psicologia não é um ministério do padre nem substitui a vida teológica e espiritual, mas convém tomar consciência dos desvios e traumas em que o padre e os leigos frequentemente incorrem, por causa das exigências sociais de todo o género e da pluralidade de culturas e propostas de vida.
O padre jesuíta Luís Rocha e Melo fez uma exposição clássica sobre as coordenadas da espiritualidade católica: a intimidade (diferente do conhecimento intelectual) com a pessoa de Jesus, o dinamismo do silêncio, o espírito do deserto.
D. José Policarpo falou da mentalidade revelada por muitos clérigos de hoje, havendo alguns que invocam o espírito do Concílio sem haverem entendido os textos, recuperam formas eclesiásticas do passado e afirmam-se por criatividades pastorais e litúrgicas fora da comunhão diocesana e eclesial. O perfil do padre e pastor saído do Concílio tem características eternas que não podem ser colhidos na modernidade e tem virtudes e sensibilidades de hoje que os documentos sugerem mas não se encontram «formatizadas». Daí o seu desafio permanente.
Um painel de leigos de sectores diferenciados procurou desenhar as coordenadas dos «tempos novos onde vivem os padres de sempre». Serviu de radiografia do que pensam os leigos do ministério do padre.
O P. Cencini, italiano, psicólogo, teólogo e consultor de várias Congregações romanas, fez três conferências sobre «a formação permanente do padre», completando de algum modo os trabalhos anteriores. Desenhou três tipos da sonhada formação do sacerdote: a «formação erfeccionista», a «auto-realização» e a «formação permanente proposta pela Igreja» nos últimos documentos, expondo o percurso de cada um desses modelos, as suas limitações e perigos e demorou no terceiro.
Do primeiro modelo lembrou que ele é de origem moralista, frequentemente mal entendido e gerador de escrúpulos, por não ter em conta a permanente fragilidade humana; o segundo modelo, muito frequente, nasceu da psicologia personalista e voluntarista, e pode ser a forma pagã de ser homem, uma afirmação individualista e autónoma, o homem gerador de si mesmo. É um estilo oposto ao mistério do presbítero como homem foi «escolhido por Deus», que recebeu uma missão, e cresce «na intimidade com Jesus Cristo e a sua graça», no desenvolvimento dos «dons recebidos», que se robustece na «comunhão com os outros membros do presbitério chefiado pelo bispo ou superior religioso», companheiros de missão e em serviço à comunidade. Esta vocação não tem nada de auto afirmação, a não ser o brio humilde e corajoso em avançar pelo caminho assumido na «Ordenação».
3. Demorou-se, depois, na exposição do terceiro modelo, a assimilação da missão recebida, a «formação permanente» pedida pela Igreja nos últimos anos, formação que distinguiu em duas vertentes: a «formação ocasional de tipo informativo e cultural», e a «formação permanente pessoal e diária». Trata-se de uma assimilação gradual de tudo o que a pessoa tem e do que a rodeia, assimilação a que chamou «integração psíquica e teológica» de tudo que nos vai acontecendo: fracassos e triunfos, talentos pessoais e limitações, simpatias e aversões naturais, tudo caldeado num coração marcado pelo fogo do Espírito». É por essa assimilação que se constrói, de modo gradual, o presbítero e o homem cristão adulto, sem infantilismos nem utopias alienantes, sem frustrações nem complexos.
Esse «processo integrador» usa a linguagem dos modernos dinamismos psicológicos, mas supõe a presença activa da oração e dos outros meios sobrenaturais da fé, e vem a coincidir com a mística do «mistério pascal»: assumir na humildade e na fortaleza a «cruz diária» que a vida e a Providência nos vão pondo aos ombros. Esta «linguagem nova» faz parte dos «novos métodos» e do «novo ardor» da nova evangelização.
*Bispo de Vila Real