Na verdade são feitas de literatura e poesia as paisagens portuguesas. A paisagem transmontana ultrapassa a literatura para chegar a reinos fantásticos e misteriosos como os musicais e os épicos.
Trás-os-Montes é heroica. Província por excelência, pois os seus soldados ao longo dos tempos ganharam fama na coragem em prélios que a história decorou, ornamentou e glorificou. As serenatas dos rouxinóis são uma bênção da natureza que se ouve em qualquer recanto… Há paisagens que se desdobram em estradas curvas, regatos nostálgicos, ravinas abruptas e poentes cheios de silêncios sanguíneos quentes.
Nos cumes olímpicos das serras e dos montes é costume as ovelhas beberem a água que os verões degelaram e pastarem mansas nas primaveras.
O homem ajoelha sempre ante Deus agradecendo-lhe a imensidade que a paisagem transmontana lhe ensinara desde o berço, seja através da flauta pastoril, seja pelas danças guerreiras dos Pauliteiros de Miranda. Tudo é oração devota o que a alma transmontana exprime e flui…
Trás-os-Montes é por direito Solar do Marão, esse Adamastor português das serras e das ravinas, onde o milho, a vide e o centeio são pretexto para que esta província seja fonte de inspiração de tantos poetas e músicos.
O vinho mosto excita Dionísios na altura dos setembros sinfónicos e coreográficos. E os bailes principiam e os corpos, obedecendo cegamente aos ritmos tradicionais, são movimentados sem pressa para que a música pareça não ter fim. Os olhares só por acaso se fixam, pois normalmente os pares são vigiados. Os beijos e o tocar dos corpos acontecem por fingimento de algum tropeção de um dos bailadores. O outro agradece ainda que com o rubor no rosto e comichão no corpo.
Camilo e Torga, António Cabral, Pires Cabral, Junqueira, João de Araújo Correia, Amadeu Ferreira, Barroso da Fonte, Ribeiro Aires… cantaram como ninguém nas suas escritas a natureza singular das gentes simples deste povo serrano, imagens literárias que apaixonam e deliciam os leitores. Nas suas literaturas há sucessão de imagens que representam e incarnam o símbolo panorâmico da Criação de Deus. Trás-os-Montes é rica em desenhos perfeitos de imagens que valem por vários livros abertos. Esta província é um livro de poesia e música quando o luar entorna a sua doce farinha nos montes e nas planícies que dormindo tranquilas, oferecem-nos a felicidade e a alegria de estarmos vivos.
Trás-os-Montes é sinfonia da Natureza que envolve o ambiente. Às loas do povo serrano ingénuo e puro junta-se o trautear da flauta do pastor campesino em expressão de júbilo como alegria da alma à Primavera da vida.
Os gaiteiros de Trás-os-Montes com as gaitas-de-fole, caixa e bombo, danças de pauliteiros, peditórios, ofícios religiosos, festas dos rapazes, são exemplos da funcionalidade da música tradicional portuguesa ao serviço de uma cultura em que pessoas e instrumentos ocupam um lugar ímpar nas comunidades, prestigiando assim uma tradição de valores e situações festivas onde as cerimónias aproximam o povo numa dimensão etnomusical, social e religiosa…
Contemple-se e pare, deixe-se acometer pelo flash que uma imagem lhe provoque: gente, caras, expressões, símbolos, gestos, sombras, densidades, fluidez, fumos, objetos, belezas, fealdades, invocações, memórias, arrepios na espinha, sorrisos… emoções.
Ser transmontano, não é castigo, antes uma bênção, um destino permanente que vai desaguar aos antepassados que souberam viver numa região tornando-a chão sagrado e lugar de fé. Fé inabalável aos santos que a eles lhes pedem as graças do seu trabalho e das suas vidas… e que por eles querem morrer esperando a vida eterna…