Terça-feira, 3 de Dezembro de 2024
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Sexualidade

Fala-se hoje muito de sexualidade, seja com intuitos científicos sadios, seja em derivações patológicas, e quase não há expressão artística, lúdica ou publicitária que não contenha componentes sensuais. Por isso, os sociólogos referem o erotismo e mesmo a pornografia como uma componente da cultura actual. Durante uns dias das férias segui alguns programas da RTP1 […]

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Fala-se hoje muito de sexualidade, seja com intuitos científicos sadios, seja em derivações patológicas, e quase não há expressão artística, lúdica ou publicitária que não contenha componentes sensuais. Por isso, os sociólogos referem o erotismo e mesmo a pornografia como uma componente da cultura actual.

Durante uns dias das férias segui alguns programas da RTP1 incluídos na programação do horário nobre e relativos a problemas humanos da sexualidade: infertilidade de casais, impotência masculina, mães adolescentes, problemas da sida.

Alguns programas estavam pedagogicamente bem feitos com diálogos reais, objectivos e linguagem comedida dos intervenientes. Havia o intuito de ajudar e não de divertir e menos ainda de achincalhar. Eram, pois, emissões onde era possível captar as ideias e os princípios e as orientações que se queriam transmitir sobre a problemática sexual. E foi aí, na reflexão feita e nas orientações dadas como caminho a seguir, que as várias séries me decepcionaram, melhor dizendo, confirmaram a ausência de valores nas estruturas oficiais. Um deserto.

Concretizemos alguns programas. Perante o sofrimento de infertilidade do casal, os orientadores aconselhavam ao casal todos os recursos técnicos, desde a estimulação do organismo feminino à fecundação in vitro com elementos colhidos fora do casal; na problemática das gravidezes de adolescentes e jovens a sugestão era a distribuição e o uso generalizado dos anticonceptivos e preservativos; no drama das pessoas contagiadas pela sida, a mesma terapêutica – anticonceptivos e preservativos (noutros programas acrescentam a distribuição de seringas); no programa sobre os problemas resultantes da impotência masculina afirmou-se mesmo que esse drama do homem é hoje mais doloroso para ele por se sentir envergonhado diante da esposa que, pelas suas experiências sexuais com outros homens, pode mais facilmente medir a inferioridade orgânica do seu marido, dando como assente o adultério de pessoas casadas.

Em nenhum dos casos se falou da educação da vontade, se fez apelo à abstinência sexual, se pediu fidelidade e morigeração de costumes, mas sempre o recurso à técnica, deixando no telespectador a mensagem de que tudo isto se resolve pelo recurso às máquinas, às drogas, aos químicos. Subjacente a toda a reflexão sobre a sexualidade humana está uma cultura da necessidade de vida sexual desde a puberdade. Num programa até se falou da necessidade de «os jovens fazerem o seu planeamento familiar».

De vez em quando, para afastar a dimensão da consciência moral e religiosa nestes comportamentos, lá aparecia a necessidade de exorcizar os «velhos tabus» e a afirmação explícita de que «Deus fez isto para a gente gozar», como se exprimiu uma mulher ao querer fundamentar as suas opções. Parece ser esse também o objectivo dos adolescentes que nas escolas reivindicam mais «educação sexual»: não esperam dali nenhuma verdadeira educação, mas unicamente «informação biológica dos mecanismos reprodutores para evitarem as suas consequências». E não se afigura ser diferente a filosofia latente nas orientações escolares: dão-se essas informações «porque os jovens começam hoje muito cedo a vida sexual activa» e diz-se isto como um facto normal. Sente-se, em tudo, uma antropologia freudiana e de vontades débeis, que o homem deve seguir os seus impulsos e que é mesmo incapaz de os dominar.

Curiosamente, na altura em que fazia esta síntese dos programas, as agências noticiosas informavam que, no Brasil, perante o número crescente de mães adolescentes, o representante do Governo afirmou ser intenção do mesmo pôr em prática a distribuição maciça de anticonceptivos e mesmo a solução extrema: a castração oficial dos rapazes, mais fácil do que a laqueação delas. Quando os objectivos são baixos, essa será a lógica. Hitler não fez coisa diferente naqueles que classificava de infra humanos – judeus e ciganos.

Refiro isto para nos apercebermos da cultura oficial que se difunde entre nós. No noticiário da noite do Domingo passado em que se falou do programa de educação sexual nas escolas, os intervenientes eram todos pessoas conhecidas pela defesa do aborto na última campanha. Percebe- -se a ligação: só há duas coisas a evitar – as doenças e os filhos!

Um cristão tem sobre a sexualidade outros horizontes e não deve ter complexos de se afirmar. Ele sabe que a sexualidade não é um apêndice à pessoa, é uma dimensão essencial da pessoa humana que possibilita a riqueza da civilização e, por isso, o seu abuso consciente é desumanizante, religiosamente é um pecado por destruir o plano de Deus sobre a vida humana e a sociedade. Os próprios ministros da Igreja e as mulheres consagradas devem ser escolhidas entre pessoas sexualmente sadias e a vitória sobre as naturais solicitações há-de conseguir-se não pela mutilação do corpo mas pela força de vontade e graça de Deus. Dada a riqueza e ambiguidade da sexualidade, requer-se uma forte educação desde a infância, acompanhada da graça.

Nesta área, houve sempre fraquezas no clero e nos leigos, mas existe uma cultura cristã de apelo constante ao mais humano e mais alto. Isto não é hipocrisia, é sensatez educativa e civilizacional. Hoje riem-se do ideal e dispensam o esforço. Essa é a semente da desgraça. Mais uma razão para nos mantermos atentos e lúcidos.

 

* Bispo de Vila Real

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