Cem anos numa diocese são sempre um marco importante. Os cem anos da diocese de Vila Real celebram a criação da mesma, através do impulso único de Dom Manuel Vieira de Matos, Arcebispo de Braga e natural de Poiares (Régua), mas também da contribuição rigorosa de muitos prelados, leigos e cidadãos para a concretização de um ensejo muito antigo do povo de Deus. Então, a justificação da área da arquidiocese levava ao reconhecimento da debilidade de apoio pastoral e de eficácia ecuménica. Muitos foram os Arcebispos que se cansavam ao passar as fraldas do Marão, a imponência do Larouco ou a longitude duriense – desde São Geraldo que faleceu nas Terras de Aguiar até um São Frei Bartolomeu dos Mártires, que se emocionou com as gentes e com as penedias (segundo a pena de Frei Luís de Sousa). Mais essa necessidade se impunha com a dinâmica cada vez mais temporalizada que a Igreja sentia a partir dos epicentros europeus e destes dos hipocentros globais. A Igreja portucalense, fundada em Dume, na gestão do convívio entre o servo católico e a aristocracia ariano-sueva, já não se bastava na diluição da boa-vontade de outrora. O século XIX trouxera desafios ao Norte de Portugal – uma burguesia ateia e uma aristocracia liberal, um operariado comunista, o agricultor emigrante no Brasil. Vieram galegos que, consultados os Livros Paroquiais, traziam desafios de ordem moral grandes para as comunidades acolhedoras. Portanto, quando a República criou um decalque administrativo da ordem paroquiana, a concretização da diocese de Vila Real foi um passo natural que deu reconhecimento também ao ‘lobby’ social, político e económico que a influência transmontana tinha em abundância então.
Nos cem anos seguintes, o povo de Deus da diocese conheceu o aparecimento de uma ditadura, a Guerra Civil Espanhola estendida na fronteira, a dinâmica do volfrâmio até 50, os planos de fomento de Daniel Barbosa (de raízes locais), mas também a emigração, a guerra colonial e a simultaneidade da chegada das gerações de prelados tocados pelo Vaticano II com as gerações de pessoas que estabeleceram a Democracia no país. As capelas de Paróquia foram dando lugar a edificações amplas e modernas. As famílias passaram a ter outros desafios no seio – desde o consumismo ao desemprego, dos divórcios às dependências, do ateísmo às correntes evangélicas e até mesmo à filiação noutras religiões pelos transmontanos, do convívio com intelectuais agnósticos e ateus, como de um Torga com um Padre Avelino.
Nestes cem anos, decerto muitos fiéis e religiosos levaram vidas próximas de santidade na diocese e outros assim inspiraram. Também a região impôs desafios à Igreja local. Em cem anos, a influência local do pároco na organização sócioeconómica decaiu consideravelmente, assim como a expectativa assistencialista da Igreja substituída pela extensão do Estado Social. O ciclo do número de seminaristas é tão-só a consequência dessas dinâmicas que, em 100 anos, podem ser esboçadas.
Tive a felicidade de participar nalguns dos momentos celebrativos destes 100 anos. Memória de lutas, umas mais silenciosas, outras menos, mas sobretudo promessa de energia para as missões emergentes nos próximos cem anos. Cem anos depois, a região tem refugiados desta aldeia global, solidariza-se com guerras de cristãos e entre cristãos, mas também a região tem hoje uma Igreja feita de homens e mulheres que aprenderam a conviver com essa tensão diária – da humildade atrás dos montes e da honra da sua altura e altitude.