Quinta-feira, 16 de Janeiro de 2025
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Verdade, anúncio e autenticidade na era digital

1- É este o tema da mensagem do Papa para o «Dia das Comunicações Sociais» celebrado no passado Domingo, e cuja reflexão adiei para hoje em virtude de, nesse dia, as eleições ocuparem o centro de interesse dos leitores. Por «Comunicações Sociais» entende-se o conjunto dos meios técnicos que nos permitem entrar em comunhão com o que se passa no mundo inteiro. Devido à informática ou era digital, a clássica comunicação social da imprensa, rádio, televisão, telégrafo, telefone, teatro e cinema conheceu uma tal evolução que estamos num mundo novo.

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O Papa compara esta mudança à revolução industrial do séc. XIX. De um mundo rural com a população fixa, num trabalho rotineiro realizado com instrumentos artesanais, com o espaço balizada pelos horizontes da aldeia e tempo marcado pelos ponteiros do relógio, passou-se de repente para um ritmo de vida frenética dependente da máquina a vapor: as populações abandonam as aldeias e fixam-se nas proximidades das fábricas, deslocam-se para o trabalho em turnos diurnos e nocturnos, onde não contam nem o sol nem a chuva, nem o dia nem a noite, nem diferença de dias de trabalho e dias de descanso. A máquina é que manda. Enquanto ela produz coisas cada vez mais novas e perfeitas, o trabalhador sai da fábrica cada vez mais cansado e envelhecido, triturado pela máquina.

Com a deslocação das aldeias para os bairros industriais e o amontoado de operários perdeu-se o relacionamento pessoal e a privacidade, criavam-se relações profissionais e momentâneas, multiplicaram-se desempregos, relações afectivas passageiras com adultérios e filhos fora do casamento. Os governos tentam responder à anarquia alterando as leis da família, dando cobertura legal à desordem inevitável. A revolução industrial havia criado um novo mundo agitado e desorientado. Os empresários, que haviam investido fortunas nas máquinas, só pensavam na produção que pudesse devolver-lhes o investimento já feito e permitir comprar máquinas novas que, entretanto, os técnicos iam inventando.

2 – A Igreja travou uma luta gigantesca pata defender o homem da voracidade da máquina e exigir dias de descanso semanal e dias de férias, segurança e higiene no trabalho, salários que tivessem em conta a mulher e os filhos e demais família, a doença e a velhice, pois o operário já não tinha campos nem horta onde colhesse alguma coisa como nos tempos da ruralidade, e a velhice, que devia ser o fruto natural da idade, era substituída frequentemente pelos traumas de um trabalho doentio. É desse tempo uma série de documentos sociais da Igreja que hoje nos parecem supérfluos mas que na altura foram considerados revolucionários. São desse género as encíclicas «Rerum Novarum» e a «Quadragésimo anno», as «mensagens radiofónicas» de Pio XII, e os documentos paralelos sobre a família e a educação. É que os empresários, que haviam investido fortunas nas máquinas, só pensavam na produção que pudesse devolver-lhes o investimento já feito e permitir comprar máquinas novas que, entretanto, os técnicos iam inventando.

3- Demorei um pouco nesta caracterização para ajudar a perceber o paralelo com a mudança efectuada nas comunicações sociais pelas novas tecnologias, nomeadamente pela internet.

Do relativo sossego da rádio tradicional e da imprensa escrita e assinada que até permitiam estabelecer relações pessoais, passou-se a uma espécie de ventania da comunicação: anda no ar um redemoinho de notícias e de afirmações sem pai nem mãe. Vêm de todo o mundo, em catadupa, sem os quadrantes de espaço e de tempo que ajudem a percebê-las. «Estão a mudar não só o modo de comunicar mas a própria comunicação», dando lugar ao afectivo e ao populismo, ao que tem impacto e acumula audiências, uma espécie de construção da auto imagem que pode favorecer o narcisismo» Criam-se relações vagas e impessoais, o distante afasta-nos da realidade da rua vizinha e de quem mora no andar do mesmo prédio, o desabafo individual e momentâneo ignora a realidade objectiva, o virtual substitui o real. As pessoas andam no ar, vivem de fantasias e evitam as relações pessoais de dia a dia, caindo-se neste paradoxo de, num mundo cada vez mais alargado, se viver em profunda solidão.

Já não são somente informações que se transmitem, mas é uma nova maneira de encarar a vida, de sentir e de raciocinar. Uma série de casos recentes de sedução de crianças e adolescentes, de burlas comerciais e financeiras, de publicidade e confusão doutrinária, de erotismo e de pedofilia, deviam bastar para exemplificar essa ventania. Púnhamos um caso concreto no que tange à vida religiosa: a televisão já havia criado em muita gente a fuga à participação física na assembleia da missa do domingo, limitando-se a «ver» e a «sentir» em seus quartos a celebração através das imagens e do som substitutos da realidade da assembleia. Na internet a realidade esfuma-se ainda mais: tudo é irreal, virtual! Parece que deixamos de ter corpo.

4 – Compreende-se agora melhor o sentido da mensagem do Papa: «o contacto virtual não pode nem deve substituir o contacto directo com as pessoas». Em segundo lugar, «dentro da linguagem das novas tecnologias, é preciso comunicar com verdade, anunciar com rigor e com autenticidade pessoal», dizer claramente a doutrina e não somente as emoções, identificar a pessoa e testemunhar o percurso pessoal já feito, saber ser criativo, competente e respeitador. Mesmo aproveitando as enormes potencialidades da Internet para a difusão da mensagem do evangelho, «permanecem fundamentais as relações humanas directas na transmissão da fé» nas reuniões de trabalho e nas celebrações, na catequese e no estudo,

Há certamente uma nova língua a aprender, e há que não esquecer a língua da corporeidade humana.

 

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