Foi durante a manhã de 14 de Dezembro de 2001 que a UNESCO decidiu atribuir o galardão de «Património Mundial» ao Douro Vinhateiro. O veredicto, de enorme valor e relevante significado, encheu de alegria todos os durienses e o país, onde foram criadas muitas expectativas socioeconómicas.
Passados oito anos, procuramos saber se o sector do vinho, nomeadamente as adegas, os lavradores, produtores e organismos, ou seja, o “Douro do Vinho”, já estão a colher realmente os dividendos desta distinção. Abordaram este tema, os presidentes do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto,da Casa do Douro, da União das Adegas Cooperativas da Região Demarcada do Douro e ainda da Associação de Exportadores de Vinho do Porto. As mais-valias financeiras da distinção da UNESCO têm sido mais visíveis em algum sectores. Nesta área, a hotelaria e o turismo dominam, mas existe uma outra “deficitária”, onde essas mesmas mais-valias ainda não são tão evidentes, como seja o caso da viticultura de subsistência.
O presidente do IVDP, Luciano Vilhena Pereira, foi claro. “Acho que o Douro tem que perceber (acho que já percebeu de uma maneira geral) que as duas Denominações de Origem de excelência, o vinho do Porto já está consolidado a nível mundial, mas o vinho do Douro ainda tem muita margem para progredir”, salientando uma parceria fundamental. “É evidente que o vinho do Douro aliado à paisagem de Património Mundial terá mais valor acrescentado, mas podemos chegar mais longe. Não vendemos o vinho sem a paisagem e também não se vende a paisagem sem a vinha. Tem de existir mais interacção entre a paisagem e o vinho. Às pessoas ainda falta essa consciência” e lembrou a “necessidade de uma maior qualificação”. “O Douro é a região do país com menor qualificação, falta melhorar sobretudo ao nível da hotelaria e da agricultura. Apesar de alguns progressos, ainda há um caminho longo a percorrer para melhorar os indicadores”.
Já Isabel Marrana, da Associação de Exportadores de Vinho do Porto, viu vantagens, mas também reconheceu que ainda há muito caminho a percorrer para que o sector tire proveito da atribuição da UNESCO. “É sempre algo que dignifica e honra a denominação do vinho do Porto. Neste caso até foi bem aproveitado. O galardão atribuído à Região Demarcada do Douro, a mais antiga do Mundo, tem que ser aproveitado e rentabilizado. Os comerciantes de Vinho do Porto já se aproveitam disso mesmo, dizendo que o seu vinho provém de uma região que, para além de ser ancestral, é Património da Humanidade”. Isabel Marrana salientou os investimentos turísticos que estão a ser feitos no Douro como forma “de demonstrar que se pode sentir essa margem de progressão”. Todavia, admitiu o “lado B” da questão. “Apesar do Douro estar a ser a paisagem da moda, penso que a ligação entre o destino turístico, o vinho e o enoturismo ainda não está totalmente concluída, pois ainda existe margem de progressão. Ser reconhecida como Património Mundial é algo que não deve ser só comercial, deverá também ser mais revertido em benefício de quem produz, trabalha e comercializa”.
O presidente da União das Adegas Cooperativas da Região Demarcada do Douro, José Manuel Santos, assume uma posição muito crítica. “Naturalmente ficamos contentes pela região ter sido classificada como Património da Humanidade. Mas, ao fim de oito anos, sinceramente penso que esta decisão ainda trouxe muito pouco para quem trabalha na lavoura, neste caso para os viticultores. Ainda não há «feedback» financeiro. À volta do título, há mais “folclore” e “poesia” do que propriamente resultados. Veja os inúmeros colóquios, simpósios, seminários, estudos, planos, projectos que são feitos em prol da promoção do Douro Vinhateiro, mas têm poucos efeitos práticos. Sem esquecer as comissões, as entidades, os grupos, os gabinetes, num rol burocrático que nunca mais acaba”. Este dirigente focou ainda a paisagem protegida, revelando também algum sentido menos favorável. “Por outro lado, notam-se cada vez mais agressões à paisagem. Até parece que não há nenhuma entidade que fiscalize esta situação, aliás corremos o risco de perder esta distinção. A construção está desenquadrada e os resíduos ainda são bem visíveis. Não podemos esquecer que a região foi classificada como paisagem viva e evolutiva, por isso teremos que ter cuidados especiais”. Por fim, o dirigente duriense deixou explícito um sentimento de frustração. “Relativamente ao sector cooperativo, a classificação de Património da Humanidade não trouxe nenhuma vantagem para as adegas e para os lavradores. O Douro não pode ser uma montra para inglês ver, a própria classificação da UNESCO tem de trazer mais-valias para quem cá trabalha, principalmente para o sector do vinho e da vinha”.
Na mesma sintonia, está o presidente da Casa do Douro. Parco em palavras, mas incisivo no seu conteúdo quando confrontado com esta questão. Manuel António Santos não teve pejo em admitir que ainda não deu “conta de qualquer efeito positivo visível na lavoura duriense” e considerou mesmo “haver algum desencanto”. “Tudo aquilo que não corresponde ao desenvolvimento e às expectativas criadas, é apenas desencanto, principalmente pelo mau aproveitamento que as pessoas estão a fazer. Não coloco em causa a importância do título, pois ele é merecido, só espero que não o destruam. Mas, para os viticultores ainda não vi nenhuma mais-valia”, sublinhou.
Apesar destes constrangimentos, todos temos de acreditar que a Paisagem Cultural Evolutiva e Viva do Douro Vinhateiro é, sem dúvida, um património que deve orgulhar todos os durienses. É um raro exemplo em que a intervenção humana na paisagem não a desvalorizou, antes pelo contrário enobreceu-a, assentando numa tradição cultural antiga, baseada na vitivinicultura que se mantém e continua dinamicamente activa, sempre capaz de se adaptar ao evoluir dos tempos.