Domingo, 19 de Janeiro de 2025
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Dinheiro, juros e moral republicana

1 - Por toda a parte se fala da gravíssima crise económica e financeira em que estão envolvidos Portugal, a Europa e o mundo inteiro. A solução requer conhecimentos e comportamentos específicos dos empresários, economistas, financeiros e políticos. A presente reflexão não quer substituir a acção imediata dos especialistas mas somente ajudar a ver os problemas de mais longe e de mais alto, contribuindo assim para a formação cívica e política, e para criar dinamismos futuros.

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2 – No Comunicado da última assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) os Bispos pronunciam-se sobre a crise actual de um modo pastoral. Tratando-se de um comunicado necessariamente conciso, nele se resumem os factos, tenta-se uma explicação e fazem-se uma proposta e uma crítica.

Os factos são «as dificuldades presentes do país e as incertezas do futuro»; as causas foram «a ligeireza dos governantes portugueses e a excessiva especulação financeira internacional», soma de factores internos e externos que nos enfraqueceram internamente e prejudicaram internacionalmente»; para a solução, insiste-se em comportamentos baseados nos «princípios do bem comum, da solidariedade e subsidiariedade», isto é, na conjugação dos esforços dos cidadãos, dos detentores do capital e do Estado. A crítica que se faz é que «a política internacional não pode reduzir-se nem muito menos submeter-se a obscuros jogos de capital que fariam desaparecer a própria democracia».

3 – Fundamentalmente, os Bispos defendem que a solução da crise deve fazer-se dentro do sistema económico vigente na Europa, como esclareceu em posteriores declarações o Presidente da CEP, isto é, pagando o dinheiro que pedimos emprestado. Nisto, a posição dos Bispos afasta-se da atitude de certas forças políticas, sociais e sindicais que tentam a saída da crise pela rebelião contra as estruturas oficiais e contra o sistema económico e financeiro europeu. Tais rebeliões nascem de atitudes ideológicas opostas à economia de mercado, que nunca aceitaram, e parecem mais luta de interesses de grupos que de interesse pelo bem comum. A hipótese do abuso do capital internacional pode colocar-se, e o empréstimo feito a Portugal pode até ser um bom negócio financeiro para quem emprestou, mas é um contrato.

De resto, Portugal tem culpa no endurecimento dos credores: já tivemos dinheiro que não soubemos gerir, e esse esbanjamento foi praticado por todos os cidadãos (governantes e governados), incluindo os funcionários públicos das empresas que não souberam administrar para bem do país. A respeito do nosso descalabro administrativo, cresce o pressentimento de que se cometeram gravíssimas fraudes «a coberto da lei», sendo, por isso, desejável que os tribunais esclareçam essas questões.

4 – Ao analisar a crise portuguesa e europeia, alguns homens da Igreja referiram-se a causas que estão para além dos credores e devedores, algo inato ao sistema jurídico e social. Começa a tornar-se claro que é a ausência dos valores profundos da verdade e da justiça que, gradualmente, foram afastados da vida da Europa, transformando num ninho de egoísmos e de ratos.

Falou-se há anos da «moral republicana» como a única que pode gerar a paz social. Entende-se por «moral republicana» o cumprimento do que está estabelecido na lei: «o que a lei permitir será bom e o que a lei proibir será mau». E não haveria outra moral – nem estóica, nem natural, nem religiosa, nem cristã.

Percebe-se aonde este esquema da moral republicana pode conduzir – às habilidades, interpretando a lei ao jeito de cada um e de cada grupo, e, no limite, fazendo a pressões sobre o legislador (Assembleia e Governo) para a feitura de leis oportunistas. Com essas leis, os maiores abusos ficariam a coberto dos tribunais e da polícia, pois tudo seria legal. É o desprezo do princípio jurídico clássico de que «Non omne quod licet honestum est», «Nem tudo que é legal é honesto».

5 – A democracia é um regime que só funciona num quadro de valores profundos, não bastando a tagarelice parlamentar e os jogos de poder. A prova da incapacidade de alguma política é a necessidade do recurso aos técnicos. Não havia verdadeiro empenho pelo bem comum Esse é o drama profundo da Europa, como denunciou Bento XVI na Alemanha durante a última visita pastoral, ao falar do nazismo: «mesmo com democracia, os Estado podem tornar-se grupos de ladrões legalizados».

O dinheiro é uma coisa séria, é suor de alguém, e, por ser séria, tem de ser tratado a sério. Nos mais recuados tempos bíblicos, há mais de três mil anos, o empréstimo entre os hebreus era gratuito: «não cobrarás juros» (Ex22,24;Lev 25,37;Deut 23,20) Mas o mundo mudou e, na sociedade actual, com investimentos a exigir grandes quantidades de dinheiro próprio e alheio, tornam-se legítimos os juros do dinheiro recebido por empréstimo. Todavia, o trabalho é superior ao dinheiro, é ele que torna fecundo o dinheiro. O abuso do capitalismo selvagem está aí – na valorização excessiva do dinheiro que acaba por esmagar o trabalho da produção, do transporte, da distribuição e até o consumidor. O marxista radical vai ao ponto de negar ao capital o direito a qualquer juro porque, diz ele, o dinheiro é de si estéril. É um exagero de classe, mas esse grito excessivo constitui uma forte advertência ao capital que, na usura e nos jogos da pura especulação financeira, faz «crescer» o dinheiro sem nenhuma produção real. Foi essa a base do descalabro actual, e ao cristão está vedado entrar nesse jogo fantasista.

Concluindo, temos de devolver o dinheiro que pedimos por contrato para remediar aventuras de não sabermos trabalhar nem organizar a vida. Depois, só depois, fica-nos o direito de perguntar a todas as troikas financeiras o que andam a fazer com o dinheiro do mundo.

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