Como se sente na pele de Governador Civil?
“Sinto-me bem. Tenho 60 anos de dedicação à causa pública e sempre estive disponível para as tarefas que me são confiadas. Ao longo da minha vida fui cultivando o espírito de missão e de servir”.
Desde que se soube que António Martinho iria deixar o Governo Civil para ir para a Entidade Regional de Turismo do Douro até à sua nomeação, em Janeiro, passou algum tempo. Desde cedo, foi possível também perceber-se que não seria um dos primeiros nomes em que a Comissão Política Distrital do PS estaria a pensar para o cargo. Tendo em conta que o Governador Civil deve ser uma pessoa isenta, com capacidade de diálogo com todos, sente-se mais confortável no desempenho das suas funções depois dessa primeira ‘não indicação’?
“Soube que ia para o Governo Civil cinco dias antes de tomar posse do cargo. Estava no meu trabalho e recebi um telefonema. A minha resposta foi que, se o Governo entende que eu devo assumir essas funções, eu vou. Eu não estive envolvido com o que se passou antes, porque não estava no meu horizonte vir a ser Governador Civil. Por isso, não comento as diligências que houve antes de eu ser indigitado.
Tenho imenso prazer em estar na minha região, em servir o meu distrito e o meu país, por isso aceitei o cargo de imediato”.
Os últimos Governadores Civis eram do Douro. Artur Vaz, de Santa Marta de Penaguião e António Martinho, de Alijó/Vila Real. Agora temos um Governador Civil do Tâmega. Será que vamos ter uma visão diferente do distrito, uma visão mais a norte? Será que vamos ‘alargar’ o distrito?
“Quando se fala no Douro, fala-se no conceito de Bacia do Douro e o Rio Tâmega (Chaves), faz parte da Bacia do Douro. Quando se fala no distrito, ele é diferente, é plural, portanto não interessa ser daqui ou dali. O que interessa são as ideias que temos, o que transportamos para os lugares que assumimos.
Depois de uma reflexão, e tendo como base o legado histórico dos anos que já tenho, entendi que devia, dentro das funções de Governador Civil, desenvolver três pilares. Em primeiro lugar, fazer de Vila Real um distrito mais seguro. Hoje, a segurança é um património da democracia.
O segundo pilar é o desenvolvimento. Temos que ter condições de estar cá, por isso temos que criar as condições para que o investimento público e privado aconteçam mais em Trás-os-Montes, mais em Vila Real. Fazer com que o tecido empresarial da região tenha apoios para se consolidar e desenvolver, e que haja uma aposta interessante na promoção do emprego. Por último, um distrito deve ser solidário para quem mais precisa de modo a que as condições de vida em todo distrito melhorem.
São essas as três condições que entendi dever imprimir tanto no norte, como no centro e no sul do distrito”.
Provavelmente a área que garante mais emprego no distrito é a agricultura. Mas, na realidade é que é muito difícil ser agricultor e uma das problemáticas actuais foi a decisão do Governo de não pagar as indemnizações compensatórias àqueles que pastoreavam os baldios. O que pode fazer para chamar o Governo à razão?
“O meu primeiro desafio, enquanto Governador Civil, veio do sector da agricultura, com um grupo de floricultores que se reuniram comigo no dia quatro de Fevereiro. No dia 12, já tinha o problema resolvido, com um despacho do Ministério da Agricultura para indemnizar os agricultores pelos prejuízos causados pelo mau tempo.
Somos uma zona de minifúndios. Com estes pedacinhos de terra não vamos lá. Temos que ganhar dimensão para que se possa fazer economia agrícola, economia de excedente, para depois poder trocar e ganhar. Acho que os jovens que agora vivem da agricultura vão ter outra postura, outra mentalidade, outro modo de encarar a agricultura na óptica da empresa agrícola, é por aí que temos que caminhar.
No caso dos baldios, espaços de organização comunitária, já têm essa dimensão, têm essa possibilidade de uma agricultura mais rentável. O importante é que os directivos desses baldios tenham projectos, não vivam tão dependentes dos subsídios, mas sim da oportunidade de gerar riqueza organizadamente, planeadamente.
O conceito de baldios está na constituição e no âmbito das florestas, há apoios específicos para essa área, pelos quais nos devemos orientar. Em cada momento, o país define o que é mais importante. Nos baldios, o mais interessante é preservar e planear a floresta”.
Os investimentos que têm vindo a ser feitos no distrito são importantíssimos, no entanto considera que ainda há algum em especial que seja urgente para a região?
“Na saúde, educação, segurança social e nas infra-estruturas rodoviárias tem havido uma série de investimentos importantes, e acho que vão continuar a existir. Creio que, perante a crise que hoje vivemos ao nível da empregabilidade, o Estado deve fazer investimentos na área da qualificação”.
É Governador Civil de um distrito que está dividido em duas Comunidades Intermunicipais, a do Douro e a de Trás-os-Montes. Que análise faz dessa situação?
“As duas comunidades já são uma realidade, mas creio que vão deixar de ser. Temos que apostar na regionalização como uma necessidade estrutural e organizativa do país, como um espaço interessante de competências, de autonomia política, de poder de decisão de projectos.
Em Trás-os-Montes perdemos uma oportunidade de termos uma região e não vamos ter mais oportunidades de o ser. Hoje, fala-se no Norte de Portugal e nesse contexto não vejo como ‘separatista’ a ideia de haver neste distrito o Douro e Trás-os-Montes. Sou mais pela união das diferenças. As Comunidades não são regiões, são mais órgãos administrativos de cariz municipal.
É uma tolice dividir isto, porque é um espaço unido pela natureza. Reza a história que quem tem o vale tem a vida. Um vale preenchido por uma linha de água termal, um espaço de desenvolvimento que, à excepção do litoral, no país deve ser um dos melhores, com mais oportunidades de vida, de negócios e de qualidade no futuro.
Os homens, por vezes, conjunturalmente, dividem, mas também são capazes de unir. A magia do futuro está na união deste espaço que vai desde Lamego até Chaves”.
Já ouvimos o presidente da Câmara Municipal, Manuel Martins, dizer que tudo está a fazer para que Vila Real possa ser a futura capital administrativa da região Norte. Considera que isso seja possível?
“Esse é um debate ainda extemporâneo. O mais importante na história da criação das oportunidades é não criar entraves. Era para mim um enorme prazer ser o último Governador Civil de Vila Real, porque isso significava que ia passar o testemunho para a região. Esse era um passo interessantíssimo que gostaria muito de dar.
Não podemos criar artificialismos para combater as coisas nas quais acreditamos. Neste momento, discutir isso poderia ser um artificialismo para uma coisa que ambicionamos, que é a Região Norte.
Temos que nos concentrar na hipótese de ‘casar a água com o vinho’. Não digo que no futuro a água venha a ser mais importante que o vinho, mas vai ter muita importância…”
Então considera que está fora de hipótese a criação da região de Trás-os-Montes?
“A regionalização é diferente do regionalismo, é um processo de administração política, económica, social e cultural, é um processo abrangente da comunidade. Enquanto jovem, fui um defensor acérrimo da região de Trás-os-Montes e Alto Douro porque tinha identidade, limites, história, etc. Um dia, um Governo pôs em votação este projecto e os transmontanos não quiseram…
Na história do mundo, às vezes as oportunidades são únicas e quando não somos capazes de as agarrar, acabamos por perdê-las.
Eu, que tanto lutei por esse debate, por esse território, por essa região, hoje já estou noutra. As regiões, no seu contexto próprio, são espaços de dicotomias, é certo, de mais ou menos desenvolvimento, mas são polivalentes, com maior massa crítica, têm oportunidades. A ideia de criarmos as regiões de interior poderia ter o benefício de aportar mais meios, mas faltaria massa crítica para avançar.
Neste momento a Região Norte, desde a Figueira da Foz até a Corunha, é das regiões, mais jovens, mais atractivas e com mais potencial da nova Europa. Deixem-nos estar com aqueles que têm mais potencialidades, contem connosco, queremos entrar!”
Nas últimas semanas temos visto que José Sócrates tem vindo a ser alvo de algumas dúvidas e de algumas situações que precisam de explicações. Qual a sua opinião sobre o fecho que isto poderá ter?
“Em relação ao José Sócrates acredito que na visão de que, se é um caso de justiça, a justiça que o resolva, se é um caso de política, a política que o resolva. Neste caso, acho que é um caso de justiça, por isso devemos dar a oportunidade para que a justiça seja célere, vá até ao tutano das questões e diga à sociedade o que se passa. Os Estados de Direito não gostam, não permitem julgamentos populares.
Os homens que estão à frente das coisas tomam atitudes. José Sócrates fez rupturas, provocou mudanças e estragou negócios, por isso haverá um acumular de ódios de estimação que, de quando em vez, afloram nessas circunstâncias.
Os jornais são de empresas que comunicam aos seus jornalistas determinadas linhas de orientação. Por exemplo, o Jornal o Público, era um dos jornais que ‘apoiava’ o Governo, no entanto quando não foi aceite a OPA que a Sonae lançou sobre a PT, o Governo, ao estragar esse negócio ao proprietário do jornal, foi desancado no dia seguinte. Parece-me estranho isso… mas fazendo uma análise, é possível encontrar uma razão, onde a razão parece não existir.
Como sabem que estas coisas fazem mossa, obviamente, faz-se com que os jornalistas se excitem a tratar casos de políticos no activo. Confio que José Sócrates não esteja metido nisto (caso FreePort), portanto, espero que brevemente se saiba e que sejam absolvidos os que assim o mereçam, no entanto, aqueles que soltaram os cães continuarão impunes à espera de outro alvo.
Uma análise daquilo que tem sido a confusão dentro do PSD, a sua falta de oposição nacional e a eleição de Domingos Dias à distrital do partido…
“Eu sou o representante do Governo, represento a todos, e não queria entrar em lutas partidárias. Do meu amigo Domingos Dias, e seguindo o conselho de Benjamim Franklin – ‘só digo das pessoas aquilo que sei de bem, porque de mal há muitos que dizem’ – só posso dizer que é uma pessoa de bem”.